11/11/2003

Matrix (post muito longo)

Acabei de ver o terceiro e último filme da saga Matrix. E gostava de partilhar alguns pensamentos desordenados que, depois, cada um ordenará como quiser, na certeza de que são apenas uma pequena parte do muito que se pode dizer sobre a saga:

1 - A excelência do primeiro filme merecia que não tivesse havido nenhuma sequela. Era bom o suficiente.

2 - O segundo filme, por ser de transição, é claramente o pior. Além disso, pareceu-me abusivo fazerem mais dois filmes para contarem apenas mais uma estória. Condensando o enredo e cortando algumas personagens e situações (como aquele pavoroso e enorme discurso de Trinity, antes de morrer nos braços de Neo, numa cena completamente dejá vú),, os irmãos Wachowski poderiam ter feito apenas um segundo filme, muito bom, quase ao nível do primeiro. Mas, enfim, o marketing a isso obriga...

3 - Se o primeiro Matrix me surpreendeu com a inovação a nível dos efeitos especiais, dos combates e da filosofia por trás do enredo (uma mistura de estudo filosófico sobre o que é real ou virtual e um tratado de Cristianismo, onde a personagem Neo é claramente o Messias), o último filme surpreendeu-me pela clareza com que foi reafirmada essa ligação religiosa da saga e revelada uma intenção quase evangelizadora por parte dos realizadores da película.

4 - Se alguém tinha dúvidas de que Neo é uma representação futurística de Jesus Cristo, certamente que as perdeu ao ver a cena final do terceiro filme, em que este morre de braços abertos, como se estivesse pregado numa cruz imaginária, após dar a vida pela humanidade que, exceptuando um pequeno grupo de rebeldes (os apóstolos?), o quiseram ver morto (pois toda a população se transformou no Agente Smith). Nessa mesma cena, a coroa de espinhos foi substituída por uma venda nos olhos de Neo.

5 - De resto, achei alguns momentos deste terceiro filme brilhantes: a cena de combate final (pelos efeitos especiais), o assumir por parte dos personagens de que a grande recompensa e o grande sentido da vida é a liberdade de escolher e assumir as escolhas e suas consequências, boas ou más (o verdadeiro livre arbítrio) e não o amor ou qualquer outra recompensa. A vida vive-se para que se possa escolher, independentemente do resultado. Brilhante também o facto de Neo ter perdido a visão e só então ser capaz de ver realmente as coisas, provavelmente lembrando São Tomé e o facto de ser "coitado aquele que não crê no que não vê".

6 - Encontrei ainda ligações interessantes entre os nomes das personagens (e das naves) e os seus papéis na trama, das quais destaco algumas:
a) Perséfone - na mitologia grega, é a filha raptada de Deméter, que foi desposada por Hades, deus dos infernos. No filme, para entrar no clube do Inferno, que pertence ao francês Merovingian, onde Perséfone (Monica Bellucci) está, os heróis têm que passar por três seguranças iguais, o que pode representar o cão Cérbero, que tinha três cabeças e guardava a entrada do inferno na mesma mitologia
b) Merovingian - a Igreja Gnóstica Meronvigian é parte de uma facção da Maçonaria, que descende de José de Arimateia e que tem a ver com a busca do Santo Grall. A filosofia dessa igreja defende que, nos primórdios da Criação, quando Deus se cansou do seu estado de ser único e omnipotente, dividiu-se em dois e criou uma deusa. Ele manteve o domínio da ordem e ela passou a ser a deusa do caos, ou seja, lógica e emoção. Se repararmos, tem a ver com o diálogo mantido entre o Arquitecto e a Oráculo no final do filme e com o facto de a Oráculo assumir, durante o filme, que quer apenas baralhar as coisas.
c) Seraph - de Serafins, uma das classes angélicas, nomeadamente os anjos que protegem o céu.
d) Trinity - obviamente, a trindade.
e) O Arquitecto - na teoria maçónica, os obreiros da ordem (pedreiros-livres) dão ao divino o nome de Grande Arquitecto do Universo.

7 - Fantástica a postura da personagem Oráculo, demonstrando uma forma sem falhas de lidar com a capacidade de olhar para o futuro. O futuro é uma tendência que se pode, ou não, transformar em presente, mas apenas mediante as escolhas que se fazem. Não existe o saber que vai ser assim. Existe apenas o acreditar. Fantástica lição para todos os pseudo-astrólogos e pseudo-esotéricos que lavram por esse País fora, querendo fazer acreditar em mézinhas e curas milagrosas.

8 - Absolutamente extraordinária, a resposta do Arquitecto, criador do Matrix e das máquinas, quando Oráculo lhe perguntou se manteria a sua promessa. "Por acaso somos humanos?" Realmente, só os humanos são capazes de quebrar promessas. Para as máquinas, não existem promessas, existem coisas a cumprir.

9 - Gosto da insegurança, da incerteza que invade sempre o personagem principal, Neo, durante todos os filmes. Não é um herói típico, apesar dos seus incríveis poderes. É um herói com um fundo muito humano. Lembra-me um excerto do discurso de S. Paulo aos Coríntios, em que diz "Eu mesmo, quando fui ter convosco, não me apresentei com o prestígio da linguagem ou da sabedoria (...) Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de temor".

Enfim, havia muito mais para dizer, mas tenho sono. Até amanhã.

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