29/11/2003

Poema roubado

Hoje apeteceu-me roubar um poema:

Eu não sei se
Conheci a luz ou a sombra
Quando bebi nas águas
Sob a tua pele

Sei que ouvi um rumo
Antiquíssimo
Quando as águas cantaram
Na minha boca

Águas que regressam agora
Silenciosamente
Ao chão desta floresta
Cheia de música.


António Ramos Rosa e Casimiro de Brito, in "Duas águas, um rio"

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28/11/2003

Decisão

Não sei com quem.
Não sei quando.
Principalmente, não sei como.
Mas, ainda assim, vou.

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27/11/2003

Os piores anúncios de sempre

Muitas pessoas queixam-se do tamanho dos intervalos nas televisões portuguesas. Eu apenas me queixo deles quando acontecem no meio de filmes ou de boas séries (cada vez mais raras). Porque, de resto, a publicidade costuma ser mais interessante do que os próprios programas. E Portugal, nesse campo, tem uma boa tradição, com anúncios com piada.
Mas, em conversa com o meu amigo Victor Silva e Sousa, cheguei à conclusão de que os novos anúncios da Sumol são os mais estúpidos e mal feitos de sempre. Alguém me explica o interesse daquele comercial idiota, onde um rapaz com cara de parvo assiste a uma rapariga de trancinhas a beber o referido sumo, sem lhe ligar patavina, fazendo depois um gesto de quem está a disparar duas pistolas imaginárias, enquanto faz uma nova cara ainda mais parva que a anterior?
E dizem que quem bebe sumol é um sumólico? O que é um sumólico? Ser alcoólico eu sei que é mau, agora será que é mesma coisa? Mas, nesse caso, é importante perguntar: o que faz um sumólico quando não bebe sumol? Arruma carros para ter dinheiro para o sumo?
Não sei se sentem o mesmo que eu, mas este anúncio veio dificultar-me a vida. Eu gostava de sumol. E de vez em quando bebia um. Agora não sou capaz. Sinto que, se chegar a um café e pedir um sumol de ananás, por exemplo, a rapariga que me atende vai olhar para mim e pensar “oh não, ele é um daqueles”.
Mas estes novos anúncios também terão as suas vantagens, certamente. Se quisermos impressionar uma psicóloga, basta pedir um sumol. Inevitavelmente, ela vai olhar para nós, com aquele ar interessado e estudioso, molhar os lábios, cruzar as pernas e sussurrar: “Conta-me tudo. Desde quando te começaste a sentir inadaptado em relação ao mundo?”

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O défice da França e da Alemanha

Parece-me que a esquerda não foi muito inteligente ao convocar o debate de urgência sobre o problema do défice excessivo da França e da Alemanha. O nosso País, até pelo nosso próprio défice excessivo, não poderia fazer outra coisa do que fez na reunião da Comissão Europeia. Pela primeira vez, sou obrigado a concordar com a Ministra Manuela Ferreira Leite. Portugal, com um défice elevado, ainda por cima camuflado por expedientes extraordinários de contabilidade, teria algum direito para exigir sanções à França ou à Alemanha? Além disso, parece que a minoria de bloqueio que existiu na reunião impediu que houvesse alguma proposta de sanção aos dois poderosos gigantes económicos europeus.
Agora, espero que isto sirva de lição para o Governo e que se deixe de apertar o cinto desta maneira no nosso País e que se preste mais atenção às necessidades básicas dos portugueses, bem como investir para cimentar a nossa economia. É que, afinal, parece que a União Europeia não se importa. O precedente está aberto. Diz a jurisprudência que, para casos iguais, sanções iguais.
Vamos lá a investir, Dr. Durão Barroso!

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Há dias

Há dias assim como este, em que acordo com vontade de mudar o mundo todo (naquela arrogância que temos quando achamos que somos donos da verdade). Mas, depois, com o passar dos minutos e das horas, esse sentimento passa. Quando me relembro de quão humano sou, de quantos erros cometo, quando me relembro de que apenas a boa vontade não basta, que é preciso muito mais.
E, então, levanto outra vez a cabeça e caminho.

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24/11/2003

A qualidade da marca portuguesa

Vejo o telejornal do Canal 1, onde uma simpática empresária explica que a sua empresa de roupa vai apostar agora no mercado de leste. Gosto de saber disso. No entanto, logo a seguir, ela explica que o fazem porque, e cito, "como eles são mais atrasados, pode ser que gostem das marcas portuguesas".
É de mim, ou esta frase é infeliz? Quer dizer que só os atrasados é que aceitam a qualidade das nossas marcas?

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Tertúlia

Reproduzo aqui agora uma nota de imprensa sobre a minha participação numa tertúlia, em Odivelas, no próximo dia 30 de Novembro.

"No dia 30, em Odivelas
Luís Costa Pires em tertúlia literária

Numa organização da Magicx Productions, o escritor Luís Costa Pires vai estar presente, no próximo domingo, dia 30 de Novembro, véspera de feriado, pelas 21:30 horas, em Odivelas, no bar BY, para falar da sua obra e dos seus livros, com especial relevo para o seu último romance, “Mandrágora”, publicado pela Editorial Notícias no final do ano passado.
Na tertúlia, a ter lugar neste espaço de grande beleza, vai estar também presente um violinista para aumentar a qualidade do ambiente, bem como outros poetas e actores que irão dizer poesia e textos poéticos de Luís Costa Pires e de outros autores.
Depois de “A Rainha de Copas” (prémio Prosas de Estreia) e “Depois da Noite”, “Mandrágora” foi o último romance que Luís Costa Pires publicou, ainda antes da recente aventura de publicação da peça de teatro “A Desconstrução da Alma”, já estreada e a ser agora ensaiada para os palcos lisboetas, em Março de 2004. Trata-se de um livro polémico e provocador, que mistura uma boa dose de erotismo e reflexões sobre a igreja e a sociedade portuguesa, com os seus tabús e falta de fraternidade. Segundo o autor, é um livro que apela ao “livre-arbítrio e à coragem de cada um seguir o seu destino”.
O autor inicia também uma colaboração no site internacional da Magicx Productions, um site ligado à música e ao mundo dos espectáculos, que pode ser encontrado em www.magicx.net.
Além da escrita, Luís Costa Pires dedica-se ao jornalismo, à assessoria de imprensa, ao associativismo e à produção de espectáculos. É colaborador de várias publicações, como as revistas alternativas “365” e “DIF”, o jornal canadiano “The Portuguese Post”, a revista “Festa” e os sites “Oeste Online” e “Fábrica de Conteúdos”.
Em 1998 foi condecorado com a medalha da cidade das Caldas da Rainha, pelo contributo dado à cultura no concelho. Mais recentemente, em 2001, foi-lhe atribuída uma bolsa de criação literária pelo Centro Nacional de Cultura para a escrita do seu quarto romance, em curso, que se denominará “O Animatógrafo”."

Estão todos convidados para aparecer.

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19/11/2003

Grandes de mais

Sei que não é suposto falar de futebol neste blogue. Mas não resisto a uma farpa: estou farto de rir com os incidentes acontecidos no final do jogo de ontem entre os Sub 21 de Portugal e da França. Aquela coisa do tecto do balneário ter caído, com os jogadores portugueses a limitarem-se a dizer que mandaram uns aos outros ao ar no meio dos festejos da vitória, e o problema ter sido a pouca altura do tecto tem muita piada. Mas, ao mesmo tempo, tem, com toda a certeza, um fundo de verdade.
É que, para mim, o problema dos franceses e a razão pela qual estão tão indignados é mesma essa: ontem fomos grandes de mais para eles. No balneário, é certo, mas também no relvado. E isso é que os lixa.

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O Leão e o Beija-Flor

Não me lembro de que cultura é esta pequena história, mas lembrei-me dela a propósito dos posts anteriores.
Então, diz a história que houve um grande incêndio na selva e que os animais fugiram todos, apavorados. O leão, grande e poderoso, como rei dos outros animais, ficou para trás para se certificar de que todos tinham conseguido sair do inferno de labaredas. Quando já se preparava para ir embora, percebeu que faltava o Beija-Flor. Então, correu para dentro do fogo à procura dele, pronto a encontrá-lo caído, já quase morto, e transportá-lo para fora das chamas ainda a tempo de o salvar.
Qual não foi o seu espanto quando o viu, plenamente activo, com as asas a baterem incessantemente a caminho do rio, onde recolhia pequenas gotas de água que, depois, ia deixar cair em cima das labaredas. O leão, espantado, com a sua voz de trovão, chamou-o e perguntou, irritado:
- Oh, Beija-Flor! O que estás a fazer? Anda mas é embora, achas mesmo que vais conseguir apagar o fogo com essas gotinhas?
Respondeu o Beija-Flor:
- Não, claro que não. Mas, pelo menos, estou a fazer a minha parte.

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Ainda sobre o post Chacina de Cães IV

A leitora Beluska pergunta "num pais onde se maltratam crianças e os "velhos"sao "esquecidos" nos hospitais... Porque carga de àgua e que se haviam de preocupar com os animais????".
Cuidar de animais é uma questão de saúde pública. Não estamos aqui apenas a falar de ser bonzinhos para os animais. É uma questão de impedir doenças e dejectos. E também de educar as populações futuras. Dizem os psicólogos e acredito ser verdade, que uma das melhores formas de incutir responsabilidade e civismo nos mais novos é oferecer-lhes um animal para que cuidem dele. Assim aprenderão a ter que seguir regras e a cuidar de algo, ganhando desde logo noção de uma série de coisas da vida.
Assim é também com a sociedade. Enquanto a sociedade não for capaz de cuidar dos animais abandonados (que, idealmente, seriam poucos), que requerem pouco mais que uma construção barata, comida e alguém que os vigie e cuide, dificilmente terá condições para ser sensibilizada para cuidar das crianças e dos idosos, que requerem muitos mais cuidados.
Mas aproveito para "imitar" o que já foi dito aqui e pergunto: porque é que tanta gente se indigna com as crianças abandonadas e com os idosos que vivem sozinhos, mas ninguém faz nada? É tão fácil fazer voluntariado e ajudar. Se quiserem, tenho uns contactos e uns lugares vagos em várias associações com que lido. Se não tiverem dinheiro para doar, ajudem com poucas horas semanais de voluntariado.
Era um bom início, não era?

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Ainda sobre o post Chacina de Cães III

Ainda quanto ao mesmo caso e ao mesmo post, é claro que um director de canil, quando recebe uma crítica de alguém por causa da morte assistida de um animal, poderia perguntar "então quer adoptar um?".
Mas, por exemplo, se ele me perguntasse isso, eu responderia claramente que não. Não porque não gosto de animais, mas porque já tenho quatro gatos e não tenho espaço nem condições para ter um cão. Mas não seria isso, com toda a certeza, que me iria fazer ficar "com o rabinho entre as pernas e ir embora". Não seria isso que me faria calar a minha indignação e continuar a lutar para que as coisas melhorem. Porque sei que, falando no assunto, haverá (como se está a constatar), quem o tente resolver de formas que eu não consigo. E acredito que o segredo é esse: cada um cumpre o seu papel. Eu tenho o papel de informar e de me indignar. Para que outros, com outras condições, possam agir.
Ninguém muda o mundo sozinho, mas ninguém pode desistir do seu papel, por mais humilde que seja. Porque pode ser o pequenino passo que leve a que alguém consiga muito mais.

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Ainda sobre o post Chacina de Cães II

O anterior post sobre este assunto (é só andar mais para baixo no blog) mereceu vários comentários dos visitantes deste espaço de conversa virtual. Tal facto deixou-me, obviamente, orgulhoso, até pela importância do tema. E aproveito agora para responder a alguns deles. O amigo Carlos Faustino diz que está farto de "ouvir as pessoas a queixarem-se deste tipo de situações. Não será melhor perder tempo a sensibilizar as pessoas a não abandonar os animais e denunciar estes casos às entidades responsáveis para tomar as medidas adequadas e sancionar aqueles que de facto são os criminosos??".
Tem toda a razão. E, por isso mesmo, é que se me sinto feliz por poder acrescentar as novidades existentes sobre o caso. Segundo informações de pessoas ligadas ao canil, desde que a notícia estourou na comunicação social, nunca houve tanta gente a deslocar-se até ao local para adoptar animais. Só ontem, uma pessoa do Algarve foi ao canil de Torres Vedras buscar sessenta! Ou seja, afinal de contas, vale a pena criticar, denunciar. É esse o importante papel, tão incompreendido, do jornalista. Não é um prazer mórbido de dar más notícias. É o dever de denunciar o que está mal para que, quem não sabe, seja avisado.
De resto, quanto à sensibilização das pessoas, concordo plenamente que seja o passo mais importante. Aliás, em qualquer caso, é sempre mais importante atacar o problema pela raíz e preveni-lo do que remediá-lo quando o mal acontece (isto levava-me a outra conversa que fica para outro post, noutro dia).
Mas a sensibilização, num País como Portugal, onde as pessoas não sabem ainda como lidar bem com a extraordinária novidade que é ter liberdade de acção (tão recente), torna-se difícil, uma vez que acabam sempre por sentir qualquer palavra exterior como uma ordem, como um momento em que alguém tenta intrometer-se no seu livre arbítrio. Ainda temos muito que aprender nesse campo. E, então, às vezes, é apenas em momentos de choque, como este, que se consegue chamar a atenção da massa crítica. E, agora sim, apelar a que não se abandone os animais. Apelar a que se castre os animais quando não há condições de ter mais nenhum. Apelar a que se trate bem deles.
Porque as pessoas já estão alertas para o problema. Porque já sabem da existência dele. Porque já se chocaram, já se indignaram. Afinal de contas, o problema é todo esse: é preciso conseguir que as pessoas se indignem para que algo possa ser feito depois.

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14/11/2003

Parábola da mulher de Loth

Cada vez que releio a obra de Agostinho da Silva, mais me espanto que seja tão esquecido nos dias que correm. Creio mesmo que o seu pensamento humanista e a tocar a verdadeira liberdade era demasiado avançado para a época em que viveu. Tanto, que ainda hoje o é. E compreendo que, para uma sociedade massificada e onde interessa que haja uma grande dose de alienação, onde interessa incutir modas e "trends", onde interessa entreter a massa crítica para que outras coisas vão acontecendo, compreendo que seja desaconselhável que se passem mensagens como a de Agostinho da Silva, onde se defende que cada um tem o direito de pensar e agir livremente.
E, por isso, não resisto a deixar aqui um excerto de um pequeno texto chamado "Parábola da Mulher de Loth". É o momento em que a mulher de Loth se recusa a fugir de Sodoma, depois de Deus ter avisado que iria destrui-la e alertado Loth para fugir, juntamente e apenas com a sua família, sem nunca olhar para trás, caso contrário morreria:

"Porque o Paraíso, Loth... Olha, eu sei que todo o mundo um dia se há-de transformar em liberdade e ser mais sereno, mais transparante e mais puro do que este céu de crepúsculo que nos envolve; cada um de nós, quando nasce, recebe uma parte da injustiça do mundo, e a alma dos que morrem depois de se terem despojado do que lhes coube de tirania, de egoísmo e de brutalidade, vai contribuir para formar esse céu, como cada gota contribui para a extensão e a profundidade dos mares; essa é a vida eterna, essa é a delícia dos que se elegeram; para os outros tudo será como se não tivessem vivido e uma vez mais passarão sobre a terra, numa experiência da sua vontade e da sua coragem. Eis o que será o teu destino. Porque o meu será o outro. Duvidada às vezes de ter feito tudo o que devia fazer pela liberdade; sei que muito me deixei arrastar pelo que nos prende ao tempo, que o meu Amor não foi sempre bem amplo, aberto a todos, que a minha alma não foi sempre bem forte, inflexível ao vento do desânimo; ainda bem que hoje posso adquirir a certeza de que não foi inútil a minha passagem pelo mundo; não estarei ao lado deles, não me queimará o mesmo fogo: mas o teu Senhor, como todos os tiranos, teme quem o olha de frente, não gosta de que contemplem a sua obra... É o bem que começa a triunfar; esse avança às claras, não se esconde, não se refugia no segredo e na ignorância. Vou unir-me a todos os que já se bateram por ele; tantos, tão grandes e tão belos! Como poderia hesitar? Chegou o momento, Loth. Não, nem mais uma palavra. Continua. Eu volto."

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13/11/2003

Ainda o racismo e a imigração

Não sei se o jornalista que fez o documentário odeia racistas, mas parece ter escolhido a dedo os imigrantes e os "resistentes à imigração" que entrevistou. Enquanto os imigrantes são bem educados, como uma indiana lindíssima, que fala da forma como ensina os portugueses a dançar sons indianos e organiza viagens à Índia para portugueses, da forma como se integrou na sociedade e tem amigos em todo o lado, etc, o português, gordo e barbudo, com aspecto rude e voz arrastada, diz que a música brasileira é aquela com quem os portugueses mais se "identifiquem", mas ele gosta mais de outro tipo de coisas, entre outras calinadas engraçadas, que aposto que devem passar por beber uma mini e comer uma sandes de coirato enquanto chama nomes ao árbitro e bate na mulher.

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O Namoro

Fausto e Sérgio Godinho cantaram este poema de Viriato da Cruz, poeta moçambicano, com todo o talento que se lhes reconhece. Gostava de vos deixar este poema (na versão musicada, não na versão original), que tem uma doçura, uma inocência e um calor que só está ao alcance, digo eu, das pessoas que conseguem ver a luz da vida. A mim, dizem sempre que África é inesquecível. Quando for, finalmente, conhecê-la, quero ver se consigo escrever, durante a minha estada, um poema assim.

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse "ela tinha
um sorriso luminoso, tão triste e gaiato,
como o sol de Novembro brincando de artista
nas acácias floridas, na fímbria do mar".
Sua pele macia era sumauma,
sua pele macia, cheirando a rosas,
seus seios laranja, laranja do Loge,
eu mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou
"por ti sofre o meu coração"
num canto "sim", noutro canto "não"
e ela o canto do "não" dobrou
Mandei-lhe um recado pela Zefa do sete,
pedindo e rogando de joelhos no chão,
pela Senhora do Cabo, pela Sta Efigénia,
me desse a ventura do seu namoro
e ela disse que não.
Mandei à Vó Xica, quimbanda de fama,
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço bem forte e seguro
e dele nascesse um amor como o meu
e o feitiço falhou.
Andei barbado, sujo e descalço
como um monangamba procuraram por mim
não viu, ai não viu, não viu Benjamim
e perdido me deram no morro da Samba
Para me distrair levaram-me ao baile
do Sr. Januário, mas ela lá estava
num canto a rir, contando o meu caso
às moças mais lindas do bairro operário.
Tocaram a rumba e dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu
e a malta gritou "Aí Benjamim"
Olhei-a nos olhos, sorriu para mim
pedi-lhe um beijo, la la la la la.
e ela disse que sim

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Racismo e Imigração

Vejo um interessante documentário no Odisseia sobre o racismo dos portugueses em relação aos imigrantes. Apesar de não ser um caso ainda grave, mesmo com ministros de extrema-direita como o vergonhoso Paulo Portas, espanta-me que haja portugueses que olhem de lado aqueles que vêm de longe em busca de novas oportunidades, num acto de coragem que devia ser mais reconhecido. Muitas vezes, o argumento usado é o de que os estrangeiros roubam os postos de trabalho aos nossos trabalhadores. No entanto, a verdade é que, exceptuando os casos óbvios de doença ou de graves carências e problemas familiares (o que, obviamente, não pode ser imputado aos estrangeiros), muitas das vezes, a população desempregada portuguesa tem esse estatuto porque não aceita trabalhos ditos menos nobres, como a construção civil, as limpezas, etc. Ou então, por causa da débil situação financeira de algumas empresas, resultado do desastre económico nacional e, também, da incapacidade de alguns gestores (o que, também, obviamente, não pode ser imputado aos estrangeiros).
Além disso, toda a gente sabe que um país é tanto mais rico quanto maior e mais diversificada for a sua cultura. A vinda de imigrantes com visões e ideias diferentes, a serem bem recebidas e acolhidas de forma inteligente, pode revelar-se o salto qualitativo em termos culturais de que Portugal bem necessita, numa altura em que estamos completamente submersos na fofoquice e no voyerismo, na música pimba e nas anedotas ordinárias, nos escândalos e na corrupção.
E é preciso lembrar que muito do desenvolvimento económico do País deveu-se, nas décadas passadas, às divisas enviadas pelos emigrantes portugueses no estrangeiro. É preciso falta de carácter para recusarmos aos outros aquilo que, para nós, foi uma solução.
É claro que há imigrantes que não se integram, que acabam por se tornar marginais. Mas isso também acontece com portugueses. Há pessoas boas e más em todos os lados, em todas as classes. É claro que, muitas vezes, os imigrantes reunem-se em grupos e sentem alguma dificuldade em dar-se com os portugueses. Pudera, se estão num país completamente diferente, onde não conhecem nada. O que é necessário é criar condições para que se consigam sentir bem e à vontade, de forma a não haver separações.
Enfim, o que eu acredito é que cada pessoa deve ter a oportunidade de mostrar o que vale. Seja no seu País ou em outro qualquer.

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11/11/2003

Para rir

Lembrei-me agora, de repente, que tinha prometido deixar aqui alguns excertos do texto do espectáculo ao vivo de Jerry Seinfeld, "I'm Telling you For The Last Time". Infelizmente, os afazeres têm-me afastado um pouco do contacto diário dos blogues. Mas, para remediar o problema e cumprir a promessa, vou tratar disso brevemente.
Entretanto, deliciem-se com um dos melhores sketches dos Monty Phyton, o "The Dead Parrot Sketch", que pode ser encontrado, numa tradução brasileira (?), mas, pelo menos, compreensível para todos, no blog Escrita.

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O Pipi e o bom gosto

Tenho lido na Bomba Inteligente a forma como é defendido o projecto e a qualidade literária de O meu pipi (blogue e livro). Tenho pena apenas que, neste caso, não consiga perceber se é ali defendida realmente apenas a qualidade ou também o lado comercial da obra.
Mas adiante. Quanto ao livro, não o li, não posso comentar, embora saiba que não se afasta quase nada do género do que é escrito no blogue. Quanto ao espaço virtual, acho-lhe realmente piada. Os textos, apesar da temática e da óbvia perversidade, são escritos de uma forma deliciosa, com um sentido de humor e originalidade de arrasar e com requintes fantásticos. No entanto, espero que o misterioso autor não se deixe deslumbrar. É que é fácil descambar de uma situação em que está em cima da lâmina da navalha para o demasiado mau gosto. E, apesar de saber que, quer o autor, quer a sua defensiva editora, estão-se a borrifar para a minha opinião, parece-me que este último post já ultrapassa os limites.
Reparem neste excerto: "Gente enlutada é gente carente de consolo. Há sempre a hipótese de sacar uma viúva ou uma órfã. Tenho arrefinfado boas berlaitadas de pêsames em pito viúvo que, pese embora a sua viuvez, sabe proporcionar festa rija, mesmo que se apresente no leito com um fumo preto numa das bordas. Além disso, lágrimas de pesar dão sempre bom lubrificante."
Não sou conservador e sei rir de uma boa piada, mesmo que ordinária. Mas... não vos parece que isto já ultrapassa um pouco os limites do bom gosto?

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Matrix (post muito longo)

Acabei de ver o terceiro e último filme da saga Matrix. E gostava de partilhar alguns pensamentos desordenados que, depois, cada um ordenará como quiser, na certeza de que são apenas uma pequena parte do muito que se pode dizer sobre a saga:

1 - A excelência do primeiro filme merecia que não tivesse havido nenhuma sequela. Era bom o suficiente.

2 - O segundo filme, por ser de transição, é claramente o pior. Além disso, pareceu-me abusivo fazerem mais dois filmes para contarem apenas mais uma estória. Condensando o enredo e cortando algumas personagens e situações (como aquele pavoroso e enorme discurso de Trinity, antes de morrer nos braços de Neo, numa cena completamente dejá vú),, os irmãos Wachowski poderiam ter feito apenas um segundo filme, muito bom, quase ao nível do primeiro. Mas, enfim, o marketing a isso obriga...

3 - Se o primeiro Matrix me surpreendeu com a inovação a nível dos efeitos especiais, dos combates e da filosofia por trás do enredo (uma mistura de estudo filosófico sobre o que é real ou virtual e um tratado de Cristianismo, onde a personagem Neo é claramente o Messias), o último filme surpreendeu-me pela clareza com que foi reafirmada essa ligação religiosa da saga e revelada uma intenção quase evangelizadora por parte dos realizadores da película.

4 - Se alguém tinha dúvidas de que Neo é uma representação futurística de Jesus Cristo, certamente que as perdeu ao ver a cena final do terceiro filme, em que este morre de braços abertos, como se estivesse pregado numa cruz imaginária, após dar a vida pela humanidade que, exceptuando um pequeno grupo de rebeldes (os apóstolos?), o quiseram ver morto (pois toda a população se transformou no Agente Smith). Nessa mesma cena, a coroa de espinhos foi substituída por uma venda nos olhos de Neo.

5 - De resto, achei alguns momentos deste terceiro filme brilhantes: a cena de combate final (pelos efeitos especiais), o assumir por parte dos personagens de que a grande recompensa e o grande sentido da vida é a liberdade de escolher e assumir as escolhas e suas consequências, boas ou más (o verdadeiro livre arbítrio) e não o amor ou qualquer outra recompensa. A vida vive-se para que se possa escolher, independentemente do resultado. Brilhante também o facto de Neo ter perdido a visão e só então ser capaz de ver realmente as coisas, provavelmente lembrando São Tomé e o facto de ser "coitado aquele que não crê no que não vê".

6 - Encontrei ainda ligações interessantes entre os nomes das personagens (e das naves) e os seus papéis na trama, das quais destaco algumas:
a) Perséfone - na mitologia grega, é a filha raptada de Deméter, que foi desposada por Hades, deus dos infernos. No filme, para entrar no clube do Inferno, que pertence ao francês Merovingian, onde Perséfone (Monica Bellucci) está, os heróis têm que passar por três seguranças iguais, o que pode representar o cão Cérbero, que tinha três cabeças e guardava a entrada do inferno na mesma mitologia
b) Merovingian - a Igreja Gnóstica Meronvigian é parte de uma facção da Maçonaria, que descende de José de Arimateia e que tem a ver com a busca do Santo Grall. A filosofia dessa igreja defende que, nos primórdios da Criação, quando Deus se cansou do seu estado de ser único e omnipotente, dividiu-se em dois e criou uma deusa. Ele manteve o domínio da ordem e ela passou a ser a deusa do caos, ou seja, lógica e emoção. Se repararmos, tem a ver com o diálogo mantido entre o Arquitecto e a Oráculo no final do filme e com o facto de a Oráculo assumir, durante o filme, que quer apenas baralhar as coisas.
c) Seraph - de Serafins, uma das classes angélicas, nomeadamente os anjos que protegem o céu.
d) Trinity - obviamente, a trindade.
e) O Arquitecto - na teoria maçónica, os obreiros da ordem (pedreiros-livres) dão ao divino o nome de Grande Arquitecto do Universo.

7 - Fantástica a postura da personagem Oráculo, demonstrando uma forma sem falhas de lidar com a capacidade de olhar para o futuro. O futuro é uma tendência que se pode, ou não, transformar em presente, mas apenas mediante as escolhas que se fazem. Não existe o saber que vai ser assim. Existe apenas o acreditar. Fantástica lição para todos os pseudo-astrólogos e pseudo-esotéricos que lavram por esse País fora, querendo fazer acreditar em mézinhas e curas milagrosas.

8 - Absolutamente extraordinária, a resposta do Arquitecto, criador do Matrix e das máquinas, quando Oráculo lhe perguntou se manteria a sua promessa. "Por acaso somos humanos?" Realmente, só os humanos são capazes de quebrar promessas. Para as máquinas, não existem promessas, existem coisas a cumprir.

9 - Gosto da insegurança, da incerteza que invade sempre o personagem principal, Neo, durante todos os filmes. Não é um herói típico, apesar dos seus incríveis poderes. É um herói com um fundo muito humano. Lembra-me um excerto do discurso de S. Paulo aos Coríntios, em que diz "Eu mesmo, quando fui ter convosco, não me apresentei com o prestígio da linguagem ou da sabedoria (...) Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de temor".

Enfim, havia muito mais para dizer, mas tenho sono. Até amanhã.

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05/11/2003

Chacina de cães

Acabei de chegar do Canil de Torres Vedras, onde é preparada uma chacina. A Câmara Municipal do concelho de Torres optou por mandar exterminar cerca de duzentos cães por excesso de lotação do canil. Ao que parece, sem conhecimento público, tal matança já vem sendo hábito naquelas instalações há alguns anos.
É uma situação muito triste e revoltante, mas não quero estender-me muito sobre o assunto porque daqui a umas horas irão ver notícias sobre o tema na SIC e na TVI, presentes no local.
Mas, mais revoltante ainda, para mim, é saber que quase todos os leitores deste post vão ficar indignados. Mas será muito menor o número dos que, realmente, irão fazer algo para mudar o que está mal, que passa pela sensibilização, por tratar bem os animais, por perceber o valor do planeta em que vivemos.
E o problema não se sente só neste caso. Sente-se em quase todas as áreas. Já falei um pouco disso no post anterior. Todos nos indignamos com muita coisa. Mas somos poucos os que levamos essa indignação adiante. É caso para dizer que é verdade que todos temos o direito à indignação. Mas deviamos ter também o dever de lutar para que as coisas melhorassem.

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Protestos académicos

Mais protestos académicos devido às propinas. Sempre considerei (e a história mostra-nos isso mesmo) que a juventude tem e deve demonstrar a sua força. Que não se deve calar. Que deve lutar de todas as formas possíveis para que se possa melhorar a sociedade. Que deve dar o impulso para a mudança, que deve ser o rosto da insatisfação.
Mas tenho pena. Hoje, raramente vejo a juventude manifestar-se sobre algo que não lhe diga directamente respeito. Raramente vejo-a preocupar-se com algo que não tenha interferência directa nos seus bolsos ou direitos.
Assim é fácil, protestar contra algo que nos afecta. Mais difícil, mas também mais valoroso, é protestar contra algo que está mal, pelo simples facto de estar mal, mas que não nos afecte directamente.

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04/11/2003

Minutos pelo rosto

“(…) e quando descem as trevas sobre a nossa miséria, se não dispusermos de pena, nem de graveto, nem de tinta, nem de água, ainda assim escreveremos a História, riscando com o indicador o ar que respiramos (…)”

Mário Cláudio


E passeiam-se assim os minutos pelo rosto, incansáveis e inesgotáveis, como lavradores intrépidos abrindo sulcos ao único abrigo do sol e do horizonte. Passeiam-se assim, invisíveis e inaudíveis, como os finíssimos raios de luz que antecedem a visão, irrompem na alma como as valas que são criadas para que passem os rios, talvez rios de lágrimas, ou de um outro líquido ainda por inventar e que represente a alegria e a temperança. Formam obras gigantescas nos livros das horas e dos dias, que para serem lidas de fio a pavio necessitam de olhos pacientes e doces, capazes de perceber promessas e metáforas, entrelinhas e abismos.
Apenas a fome não me abandona agora, como irmã de todo este cansaço que corrói o rosto e as olheiras fundas. Apenas a fome me acompanha, a fome de sabores doces e palavras, de verdades e olhares cúmplices, ou então de novas paisagens e ruídos, que mostrem outros mundos e novos temas. Encha-se então de palavras assombrosas a alvura da página, de predicados indefinidos e imagens de difícil alcance, pois já não há lugar a frases simples ou apenas harmoniosas, que é sempre nas entrelinhas que mora a verdadeira verdade, nelas fez o seu lar e dele apenas se separa quando a voz doce de algum desejo incensato a chama, suplicando por que se abra um caminho ou por que nasça um abraço.
E é então que, como um louco pela rua agradecendo tudo a todos, vejo os olhares surpreendidos de quem não compreende a razão de tal gratidão, e, sorrindo intimamente, torno a bailar a caneta na superfície lisa, ou o graveto na areia molhada, sem lembrança de que as ondas virão mais tarde, quando as marcas dos pés já marcarem o sentido inverso, alterar toda a configuração dos areais e apagar as inscrições arrumadas entre os grãos de areia outrora unidos. Mas não importa, existem também as doçuras que estão escondidas ou que já foram e permanecem agora apenas nas memórias. Ou nos sonhos não concretizados. Porque existem odisseias onde os marinheiros, apesar de embarcados, nunca chegam a ver o mar, perdem-se na visão do ferro e da ferrugem, da casa de máquinas e do porão, e em fugazes olhares de espanto rumo ao aberto céu. E acreditam ser esse o fim da viagem, que nada há para além dos limites da embarcação; por isso espantam-se quando rugem as águas, ou invade o ar o negrume das tempestades, ou se embalam com o cântico das sereias, misturado com o ruído do marejar. E é sempre o mar que canta esse vai-vém das ondas, que enfeitiça os corações. Os mais atentos, ainda que escondidos, às vezes juram ouvi-lo chorar. E diz o mar: “Tenho os nervos tão à flor da alma, que derramo lágrimas por cada rosto que recordo, por cada amor que surgiu, mas não vingou, como as sementes de uma árvore que morreu sem ver o sol”. E as lágrimas do mar são de espuma contra as rochas, ou ainda de espuma em saltos aventureiros pelo ar, e humildemente deixa-se ser espelho do céu e das nuvens, enquanto, ao longe, ouve as histórias contadas já em terra, de grandes travessias e monstros horrendos, de grandes coragens e provações, palavras falsas e inexistentes, de feitos vazios e sem rumo, bordadas no silêncio da noite vazia e do medo.

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