Os próximos três posts são extremamente longos e acabam todos por ter um fio condutor entre eles, começando no mais antigo.
Se não estiver com "paciência para testamentos" aconselho a ler os posts anteriores.
12/11/2007
Aviso
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 01:42 2 comentários
Bobby
(III)
Ainda na continuação do tema anterior, vi recentemente o filme "Bobby", realizado por Emilio Estevez, filho mais velho de Martin Sheen. O filme é dedicado à figura de Robert Kennedy, irmão mais novo de JFK marcou muito todo o imaginário de Emilio Estevez.
Meteu por isso mãos à obra e terminou o argumento no início de Setembro de 2001. Mas, quando se preparava para iniciar contactos, deu-se o atentado ao World Trade Center. Então, resolveu guardar o filme para mais tarde, até porque seria demasiadamente sensível rodar naquela altura num filme sobre um homem que lutava pela igualdade racial, pelos direitos civís, pela paz entre os povos, pela liberdade, pelo combate à pobreza, e que, sendo candidato a presidente dos EUA, foi assassinado antes mesmo das eleições.
Mas o filme foi realizado e saiu há cerca de um ano. Como é óbvio, passou quase despercebido em Portugal. Primeiro porque não tem muitos tiros (só os que matam Robert Kennedy) e depois porque me parece que não existe a percepção de que aquele homem podia ter mudado radicalmente o mundo em que vivemos.
Quanto ao filme, creio que nunca vi tantas estrelas juntas num mesmo elenco, já que participaram grandes actores como Anthony Hopkins, Laurence Fishburn, Demi Moore, Martin Sheen, o próprio Emilio Estevez, Helen Hunt, Sharon Stone, Lindsay Lohan, Heather Graham, Ashton Kutcher, William Macy, Christian Slater e Elihaj Woods, no papel de pessoas reais que estiveram no Hotel Ambassador no dia em que aconteceu o assassinato. As cenas em que aparece Robert Kennedy são reais, já que é feita uma montagem muito inteligente dos seus discursos no meio dos personagens (pode ver o trailer aqui)
É um bom filme. Principalmente para quem tentar perceber o que significou aquela altura para o mundo:
- Com as suas manifestações pacíficas e discursos cheios de sentimento, Martin Luther King conseguia a igualdade de direitos entre as várias raças.
- A guerra do Vietname continuava e milhares de jovens americanos eram enviados para uma guerra sem sentido
- A guerra fria ia no seu auge e a guerra nuclear com a Crise de Cuba tinha sido evitada por um fio, muito graças também à participação de Robert Kennedy no processo de negociação, ainda enquanto Ministro da Justiça do seu irmão.
- A pobreza grassava fora das grandes cidades e as máfias controlavam os negócios, os sindicatos e os trabalhadores (quando Robert Kennedy foi Ministro da Justiça, as condenações a mafiosos subiram cerca de 800 por cento).
- As drogas invadiam a sociedade.
- Na Europa, o bloco de leste começava a dar sinais de fraqueza e começava a Primavera de Praga.
Era a altura de todas as esperanças que começaram a cair quando Luther King, após um discurso altamente profético, foi morto a tiro. Houve grande consternação nessa noite e quase todas as grandes cidades americanas sofreram grandes manifestações e revoltas. Menos Indianápolis, onde Robert Kennedy fez um discurso imperdível e emotivo a revelar a morte de Luther King e a apelar à calma, que vale a pena ouvir aqui.
Era esse o espírito que admiro. Era um homem que inspirava os outros, que juntava multidões de brancos, negros e mexicanos por todas as ruas onde passava, ansiosos simplesmente por vê-lo ou ouvi-lo, ou levá-lo literalmente às cavalitas pelas ruas, sempre sem segurança ou guarda-costas (mesmo depois do seu irmão JFK ter sido assassinado), porque acreditava que se tinha que dar às pessoas, às suas pessoas, como próprio dizia. Era um homem que falava de ideais e de justiça racial, que lutava publicamente contra as máfias e a pobreza, que desafiava o poder cara a cara, que era contra a Guerra do Vietname e a favor da paz entre as nações. Que até ajudou a acabar com o apartheid na África do Sul, com um discurso memorável numa das suas visitas. E, mesmo assim, ou antes, e por isso mesmo, foi assassinado antes de ser eleito presidente. O mundo seria completamente diferente hoje se isso não tivesse acontecido.
E volto por isso à questão anterior: será que hoje não há líderes a sério neste mundo? Será que já foram todos eliminados?
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 00:57 2 comentários
Etiquetas: robert Kennedy bobby emilio estevez marthin luther king assassinato
A identidade nacional
(II)
Na RTP Memória vi um antigo episódio do "Hermanias", um dos primeiros programas de Herman José. Em cerca de 10 minutos, consegui contar mais de seis piadas com referências culturais que, presumo eu, hoje poucos conseguiriam perceber, mas que, se eram usadas no programa com maior popularidade, eram entendidas pela maior parte do público da altura. Piadas que metiam escritores, letristas, pintores, nomes como Natália Correia, Lídia Jorge, Fernando Pessoa, Cargaleiro, Mário Cláudio, entre outros.
Depois, novo programa da RTP Memória mostrava uma homenagem em teatro a João Vilarett. Pouco depois, ouço a "Desfolhada", de Simone de Oliveira, devidamente referenciados os seus autores, Nuno Nazareth Fernandes e José Carlos Ary dos Santos. Ou seja, há poucos anos, o público português conhecia autores nacionais, sabia quem compunha as músicas, quem escrevia os poemas, dava valor ao que era produzido aqui, conhecia os seus autores. Havia uma identidade portuguesa que ia além de cantar o hino antes dos jogos de futebol e colocar bandeiras à janela durante o Europeu.
O que nos aconteceu entretanto? Por que razão já não damos valor aos nossos autores, aqueles que transportam para a arte a realidade, o espírito e a forma de ser português? Será que o preço da liberdade é não termos identidade? Será que só a cultura que vem dos Estados Unidos, que como já referi no post anterior ( que aconselho ler para melhor entender este), também me agrada bastante, é boa?
Ou será que os portugueses são hoje menos sensíveis e inteligentes do que eram há anos atrás? O que se passa? E como resolver isto?
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 00:47 0 comentários
Etiquetas: hermanias herman josé cultura autores portugueses
A má educação de Chávez
(I)
Tenho dado acrescida atenção nos últimos dias à cena política internacional e à história de algumas grandes figuras da política no passado, os grandes líderes que, durante os tempos, conseguiram mudar o mundo.
E, no meio dessa investigação, pensava para com os meus botões que já não existem grandes líderes, que os políticos de hoje são homens medíocres, incapazes de lutar verdadeiramente por uma causa ou de revolucionar o mundo. Limitam-se a gerir a economia e a lutar por interesses, ainda que sigam uma plataforma e um ideal.
E então constantemente vejo também notícias sobre Hugo Chávez. O presidente venezuelano, que tem um passado revolucionário e duvidoso, que, apesar da fachada democrática não passará de um ditador, não é um bom exemplo de homem, acredito eu. É mal educado, é agressivo, desagradável e fundamentalista. E perigoso. Aliás, isso mesmo se viu pela forma como ofendeu o ex-primeiro ministro Aznar na conferência ibero-latina que se realizou nos últimos dias, ao ponto de provocar a ira (!) do sempre pacífico rei Juan Carlos I.
Mas por outro lado, leio num semanário que Chávez criou na Venezuela uma enorme estrutura de produção e criação de cinema e que o estado venezuelano se prepara para apoiar largamente a produção de longa-metragens naquele País. Tudo em nome da cultura. Uma vez que, segundo dados do governo venezuelano, mais de 90 por cento do cinema que se vê na América Latina, é proveniente dos Estados Unidos e que é preciso voltar a lembrar ao povo que existe uma cultura própria local.
Chávez tem razão. A cultura americana, de que eu sou particularmente fã, invade em demasia todo o mundo. E cada uma das culturas locais desfaz-se. E isso, independentemente de se gostar dos filmes, da literatura, da música, do lifestyle, não pode acontecer. Em Portugal, isso é evidente, como falarei no post seguinte.
Chego à conclusão: Chávez é uma besta. Mas, provavelmente, será dos poucos políticos mundiais capazes de fazer a diferença se tiver oportunidade. Ainda que seja fundamentalista e arrogante. Ainda que seja incómodo à Europa e aos EUA. Aquele homem luta pelos seus ideais e está disposto a morrer por eles.
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 00:33 0 comentários
O meu silêncio
Tenho andado calado. Ou antes, não tenho escrito neste blogue na última semana, não por falta de coisas para dizer, como se pode ver agora pela quantidade de posts que coloco num só dia, mas porque vários projectos chegaram a uma altura em que exigem mais atenção. E dois deles, ligados à vertente literária, terminaram.
Nos últimos dias terminei uma nova peça de teatro, baseada num livro clássico de que muito gosto, "A Eneida", de Virgílio, e um conto que também vai beber um pouco à mitologia, embora de outra forma. Mas não quero falar desses projectos agora, mas sim quando eles derem origem a coisas mais palpáveis, como livros ou encenações.
Por isso, serve este post basicamente para explicar a todos aqueles que aqui vêm diariamente e que me enviam mensagens e comentários que não fui embora. E que adoro cada visita e cada comentário.
A propósito, o blogue já ultrapassou as 18000 visitas. Quem diria?
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 00:27 2 comentários
11/11/2007
Adeus a Norman Mailer
Uma das correntes literárias mais curiosas que apareceram nos últimos cem anos é a "não ficção criativa", ou o "Novo Jornalismo".
Este género literário é oriundo dos Estados Unidos da América, onde autores como Norman Mailer e Truman Capote, entre outros, escreveram verdadeiras obra-primas da literatura partindo não de enredos ficionais, mas de factos reais. É o caso de "A Sangue Frio", de Truman Capote, que recentemente teve grande projecção mediática graças ao filme "Capote", que deu o óscar de melhor actor a Philip Seymour Hoffman. Neste livro, "A Sangue Frio", o autor usa a investigação intensa e as conversas que teve com um serial killer para criar uma obra perturbante que viria a mudar a face da literatura e impressionar largamente a opinião pública mundial.
Mas quero falar de Norman Mailer, que nos deixou hoje, vítima de doença renal. Raramente foi um autor pacífico, como convém a qualquer grande autor. Afinal, é a inquietude que um autor provoca no público que o consagra; autores que se limitam a contar os passos e dizer o óbvio não acrescentam nada ao mundo. No caso, infelizmente, Mailer não foi apenas um escritor provocador, mas também um homem violento no seu dia a dia, que, por diversas vezes, foi notícia pelo seu pavio curto.
Mas isso não tirará com certeza o mérito da sua obra, quer na criação do "Novo Jornalismo", com livros como "Exércitos da Noite" ou a polémica biografia que escreveu sobre Marylin Monroe, quer nos romances mais "tradicionais", de onde, pessoalmente, destaco "O Evangelho segundo o Filho", e o consagrado "Os nús e os mortos".
Quanto a mim, que gosto da sua escrita, deixo aqui esta singela homenagem, relembrando uma frase sua, inscrita precisamente no "Evangelho segundo o Filho", que usei como epígrafe para o meu terceiro romance "Mandrágora": "Pois o amor não é a vereda segura que nos conduzirá ao nosso fim, mas antes a recompensa que recebemos no termo da dura estrada que é a nossa vida e os dias da nossa vida".
Talvez seja verdade. Talvez. E se for, tê-lo-ás encontrado agora, Norman Mailer.
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 23:31 1 comentários
Etiquetas: norman mailer truman capote a sangue frio evangelho filho mandrágora novo jornalismo
02/11/2007
Corrupção
Não percebi. Na televisão, um anúncio avisa insistentemente que "Corrupção" vai estrear brevemente numa sala perto de si.
É impressão minha ou isso já estreou em Portugal há muitos anos? Estes homens das TVs deviam actualizar-se...
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 14:57 3 comentários
Etiquetas: corrupção
Mais uma do Papa
Vejo na SIC Notícias uma reportagem sobre uma doença que até agora desconhecia, que é a Doença Celíaca, ou seja, uma incapacidade do organismo de tolerar o glúten, que, segundo percebi, está presente em quase todos os cereais.
Na reportagem, a doente entrevistada explicava os extremos cuidados que tinha que ter com a sua alimentação. Mas o que mais me chocou foi ouvir a mãe da doente a lembrar-se de alguns desafios que teve ao longo da educação da sua filha. E deu este exemplo inacreditável: quando quis que a filha fizesse a primeira comunhão, teve bastantes dificuldades já que a hóstia contem glúten e não havia forma de dar a volta à questão. É que o então cardeal Ratzinger (sim, esse mesmo que agora, infelizmente, é Papa)para evitar o enorme trabalho de se produzirem hóstias sem glúten, proibiu a comunhão para alcóolicos e indivíduos com doença celíaca.
A ser verdade, é, sem dúvida, uma atitude completamente de acordo com o que é a fé cristã. E será mais um grande exemplo da grande hipocrisia que existe em redor deste pseudo homem de Deus. E depois admiram-se que cada vez existam menos pessoas a ingressar na Igreja Católica. É caso para dizer, Perdoai-lhes que não sabem o que fazem...
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 14:49 5 comentários
Etiquetas: Papa Ratzinger doença celíaca hóstia
Guerra iminente
A administração de George W Bush garantiu que vai usar da diplomacia para resolver o problema que coloca Turquia e Iraque na iminência de confrontos militares.
Isso deixou-me verdadeiramente preocupado. Ou muito me engano ou vem aí outra guerra...
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 14:46 1 comentários
01/11/2007
O escritor e o vizinho
Sou um homem com hábitos estranhos, muito diferentes do normal. Como sou freelancer na área da publicidade e comunicação e trabalho em casa, onde também passo bastante tempo à volta dos meus livros, tenho horários completamente trocados com os das outras pessoas.
Por isso, às vezes tenho a noção de que os meus vizinhos olham para mim um pouco de lado, até porque só estou no prédio onde moro agora há menos de um ano. Pergunto-me o que pensarão deste indivíduo que trabalha ou fica acordado a ver filmes até às tantas da madrugada, que sai à noite quando quer, seja durante a semana ou ao fim de semana, que muitos dias parece não fazer nada, que está sentado no café à hora que quer, que parece nunca andar a correr de um lado para o outro, que sai às vezes de casa às cinco da tarde acabado de tomar banho?
Hoje, curiosamente, um deles abordou-me no café do lado. Fala um português misturado com castelhano pois, apesar de estar em Portugal há muitos anos, nasceu na Andaluzia. "Desculpe incomodar-me, mas nós somos vizinhos. Disseram-me que é escritor. É verdade?"
Surpreendido, respondo que sim e sentamo-nos na mesma mesa a conversar. Delicio-me com as histórias que me conta, nitidamente amante da literatura. Falamos de Lorca, Ballester, Camilo José Cela e surpreendo-me por não conhecer o meu escritor espanhol preferido, António Muñoz Molina. "Já não estou em Espanha há muito tempo e os nossos países estão de costas voltadas em termos de cultura", lamenta.
Quando falamos de Fernando Pessoa, porque é incontornável, lembra-se que amigos seus lhe disseram que há uma grande febre sobre Pessoa na Espanha actual. Que é um dos escritores da moda. Ou seja, concluo eu, Portugal está de costas para Espanha e não vice-versa. E ganhávamos bastante se lessemos um pouco mais os autores que já referi neste post.
Era bom que Lorca, grande poeta e romancista, ficasse na moda em Portugal. Ou Ballester. Mas não. Cá só ficam na moda os grandes fenómenos do marketing, que são de mastigar e deitar fora, como os "Sei lá" ou os "Código DaVinci". Ou "O Perfume", o tal livro que é frequentemente citado como o preferido de toda a gente, embora quase ninguém o tenha realmente lido.
Mas lamentos à parte, fiquei contente com a conversa. Parece que, apesar de me acharem a pessoa mais estranha do mundo, os meus vizinhos comentam qualquer coisa de positivo a meu respeito. A não ser, claro, que, para eles, ser escritor seja ofensivo. O que, neste País, talvez não seja assim tão descabido.
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 19:48 2 comentários
Etiquetas: ser escritor vizinho antonio munoz molina lorca cela ballester fernando pessoa
Uma língua para toda a Europa
Nas minhas pesquisas diárias pelo infinito universo da internet descubro a Interlíngua, que, segundo a Wikipedia, é uma "língua auxiliar internacional baseada na existência de um vasto vocabulário comum compartilhado por línguas de grande difusão mundial. Uma palavra é adotada em interlíngua desde que ela seja comum a pelo menos 3 das 4 línguas nacionais escolhidas como fonte: português/espanhol (tratados como um só), italiano, francês e inglês; alemão e russo podem vir a ser considerados."
Assim, esta linguagem artificial é entendida facilmente por qualquer falante dos referidos idiomas, o que me parece absolutamente espantoso. Obviamente que todos sabemos que as várias línguas têm, entre elas, raízes comuns, e influências mútuas, mas, ao olhar para esta invenção extraordinária, é incrível reparar como, na prática, as várias línguas, apesar das variações que foram sofrendo ao longo dos tempos, se tocam em tantos pontos.
Por exemplo, usando o exemplo na wikipedia, tente ler esta frase escrita em Interlingua: "Le 900 milliones de personas qui parla portugese, francese, espaniol, italiano, romaniano, etc. e mesmo le parlatores de anglese comprende un texto technic in interlingua sin studio previe. Illo tamben es relativemente intelligibile a eruditos parlatores de linguas germanic (germano, per exemplo) e slave (como le russo)."
Fácil, não é? Para mais informações sobre esta maravilha, visite este site. Apesar de estar escrito em interlingua, tenho a certeza de que perceberá tudo o que está lá.
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 19:41 0 comentários
Etiquetas: interlingua lingua auxiliar