10/11/2006

A (não) utilidade das greves (post muito longo)

Nunca vi um professor fazer greve para reclamar devido ao desemprego dos metalúrgicos, nem um pescador reclamar por falta de condições num Hospital (a não ser que necessite dos seus serviços), ou um professor pedir mais subsídios para a agricultura. Cada um só reclama quando o problema atinge o seu próprio bolso. Não existe consciência de nação, que a economia é um fenómeno global e que a situação só poderá melhorar quando todos correrem na mesma direcção.

Sou a favor de manifestações, claro, mas quando se justificam e quando têm o objectivo de lutar contra um problema extremamente grave ou uma opressão. Acredito que o povo não deve temer o seu Governo, mas sim que o Governo deve temer o seu povo. Mas as greves não devem ser banalizadas, até sob pena de perderem significado, o que já aconteceu depois de tantos anos cheios de manifestações por tudo e por nada.

Devem ser sim um recurso de último grau, já que o ideal é que a própria sociedade civil, indignada com o rumo da nação, produza naturalmente novos líderes, organizações e comportamentos que mudem esse mesmo rumo. Mas já se sabe que é mais fácil reclamar que está tudo mal, mas não fazer nada, não participar da vida activa da sociedade, em associações, em projectos de solidariedade, na participação da discussão pública dos problemas, na procura de soluções. Faz o que eu digo, não faças o que eu faço.

Percebo que os funcionários públicos se sintam afectados pelas recentes medidas do Governo. Mas também percebo que em Portugal cada um olha só para o seu próprio umbigo. Todo o País está a sofrer cortes, é necessário recuperar uma situação económica danificada e que, se não for estancada, levará a uma situação ainda mais grave do que a actual. Aliás, isto é de tal forma verdade que o Governo de José Sócrates, numa medida de grande coragem, está agora até a "atacar" os abusivos privilégios do sector bancário, coisa que nenhum governante antes teve ousadia de fazer.

Então, por que razão não terá também a Função Pública de assumir a sua parte nos cortes, principalmente quando se sabe que se trata de um sector pesado, lento, ineficiente e, ainda por cima, com muitas mais regalias do que outros sectores? É muito pouco provável que dois dias de greve, onde os pais faltam ao trabalho porque, com as escolas encerradas, têm que ficar com os filhos, em que a burocracia se atrasa ainda mais porque os serviços estão fechados, contribua para que a situação global melhore. Pelo contrário, piora ainda mais o estado do País e cria situações de grande dificuldade para outros cidadãos.

O problema de fundo é este: hoje em dia, as greves interessam, sobretudo, aos sindicatos, que têm à sua frente pessoas ligadas a partidos políticos da oposição e outras entidades influentes. Não nos enganemos: as greves são, no seu maior caso, organizadas por interesses políticos e económicos que pouco têm a ver com os problemas dos trabalhadores.

A verdade é que a única maneira de ultrapassar a crise é pela responsabilidade. É pelo aumento da produtividade e da receita, pois é de senso comum que é impossível distribuir riqueza que não existe. E isso não se faz com greves, nem com pontes, nem com habilidades para se trabalhar menos. Faz-se com responsabilidade, espírito de sacrifício e solidariedade, mais frontalidade e um sistema de distribuição mais justo. Herdámos a liberdade, mas não sabemos o que fazer com ela. Não vivemos hoje num regime que justifique tantas greves, mas sim mais responsabilidade, porque ser livre é ser responsável e lutar. E isso faz-se no dia a dia, em partilha, na sociedade.

Porque o irónico é que, se houvesse um inquérito, mais de 90 por cento dos portugueses responderia que concorda que o Estado gasta de mais e que é necessário cortar na despesa. Mas, se o corte representar uma diminuição no bolso da própria pessoa, então a resposta muda radicalmente.

Ou seja, com o mal dos outros posso eu bem. Mas em mim, ninguém toque.

1 comentário:

Ana de Sousa disse...

Partilho da tua opinião e dou-te os meus parabéns pelo excelente e inteligente post que escreveste. Considero no entanto que, o mal da nação portuguesa reside essencialmente na falta de auto-estima que cada um de nós instiga no seu subconsciente e que, sem se aperceber, repassa para a sociedade globalizante.
O estado de "coitadinho" que o português adora explorar faz com que mereçamos os políticos que temos, pois nada fazemos e nada contribuímos para sair deste estado psicótico e normótico. De "coitadinhos" passamos rapidamente a excelentes anfitriões, pois desejamos intensamente que sejamos reconhecidos, contemplados e amados por quem vem do exterior. Está na hora de pararmos de olhar para o chão e para o próprio umbigo. Olhemos em frente e com orgulho, pois temos talento e um desmedido orgulho de pátria histórica. Chega de olhar para o passado. D. Sebastião não chegará para salvar Portugal. Está nas mãos de cada um consegui-lo. Se seguirmos a máxima da lenda do colibri, da cultura hindu, se cada um de nós colocar uma gota na floresta que está a arder, apagaremos o fogo, e todos juntos, construiremos um novo e melhor habitat. Caso contrário, se quase todos fugirmos, a floresta acabará por ser devastada pelas chamas intensas, e junto dela, morrerão e ficarão esquecidos todos aqueles que permaneceram e que lutaram por ela.