04/01/2004

A vergonha do futebol

Confesso que, às vezes, tenho pena de que o futebol motive tantas paixões. Confesso que, às vezes, me apetece nunca mais ver nenhum jogo, esquecer de uma vez por todas que existem o Benfica e o Sporting, o Eusébio e o Figo, os golos e os aplausos. Quando? Quando um jogo que tem tudo para ser um grande espectáculo de futebol é estragado pelos elementos menos importantes do desporto.
Mais do que um clássico, o Benfica - Sporting foi um reeditar das velhas vergonhas do futebol português. Tudo começou torto, antes do jogo começar. Como sempre. Porque o futebol português é isso, é uma questão de bocas e acusações, de pressões e mentiras. E, ainda por cima, na maior parte dos casos, de mau futebol. Como foi o caso deste derby. Mau futebol, pelo intermédio de jogadores valorizados em excesso e, em muitos dos casos, excessivamente protegidos pela opinião pública.
O estádio estava cheio. E é um estádio lindíssimo, moderno, talvez o mais bonito da Europa (e digo-o com o peito cheio de quem é simpatizante do Benfica, apesar de tentar ser imparcial nas análises). Sessenta e cinco mil gargantas gritavam por ambas as equipas. Sessenta e cinco mil pessoas que, por se deslocarem ao local, por gastarem o dinheiro do bilhete, por amarem o seu clube, independentemente de qual for, mereciam melhor. Mereciam mais verdade no jogo, menos casos, mais profissionalismo e, principalmente, mais justiça e imparcialidade.
Mas não. Como já escrevi, o jogo começou torto ainda antes do seu início. É que a imprensa fez questão de, no dia antes do encontro, fazer notícia do facto do árbitro Paulo Proença ser sócio do Benfica, como se cada um não tivesse direito a ter a sua simpatia e como se isso colocasse em causa a sua imparcialidade. Aliás, parece-me que muitas pessoas nunca perceberam isto: aqueles que se assumem, raramente têm intenção de errar. Seria pouco inteligente ter a sua situação regularizada como sócio de um clube e beneficiá-lo a seguir. Mas os portugueses não estão habituados à honestidade nestes assuntos e, então, resolveram ver no assumir da verdade um perigo ao desporto.
O árbitro prejudicou gravemente o Benfica. Mas atenção: o Sporting jogou melhor. Erros à parte, o Sporting mereceu a vitória. Não porque tenha jogado bem, mas porque os jogadores do Benfica não souberam estar à altura. Porque Simão foi uma sombra de si mesmo, porque Tiago se esqueceu de jogar futebol, porque Sokota falhou um golo fácil. No entanto, o Sporting só mereceria uma vitória neste encontro, se o árbitro não tivesse beneficiado a equipa de forma tão clara, por medo de ser acusado do contrário.
São as pressões do futebol português. É a vitória da falta de desportivismo e da mentira. Mas foi, também, uma grande vitória para uma pessoa: José António Camacho. Consegue manter-se um senhor, mesmo quando tem razões para se zangar e gritar. Porque viu e sentiu os erros do árbitro mais do que ninguém, mas, mesmo assim, prefere falar da sua equipa e recusa-se a falar da arbitragem. Porque sabe que só assim poderá contribuir para o crescimento do nosso futebol. Mais uma lição deste grande homem. Só tenho pena que tenha que vir de um estrangeiro.
Mas, de qualquer maneira, foi esse exemplo que me apaziguou. Foi esse exemplo que me fez acreditar que, apesar de toda a porcaria que envolve o futebol português, de todas as más arbitragens, das pressões, das trafulhices, do mau futebol, apesar de tudo isso, o futebol ainda pode ser um desporto.

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