26/10/2006

O Nobel dos Pobres

A notícia já é velha, mas, na altura em que surgiu, eu ainda não tinha regressado a este blogue, e, pela sua importância, não quero perder a oportunidade de falar nela.
Deixou-me muito feliz a atribuição do Prémio Nobel da Paz a Muhammad Yunus, conhecido como o "banqueiro dos pobres", pela sua criação do microcrédito que permite a tantos milhões de pessoas normalmente sem acesso aos meios de financiamente, e em países do terceiro mundo, tentarem começar a sua vida com coragem e com empreendorismo. A atribuição do crédito a estes individuos baseia-se não na sua capacidade financeira para cumprir a devolução do crédito, mas sim na dignidade humana que fará com que, agradecidos pelo incentivo e pela generosidade, lutem para ganhar condições.
Porque a verdadeira caridade não é aquela que consistem em pena e em esmola, mas sim a quem permite que o outro se levante e se auto-sustente, sem medo de concorrência ou de perder o seu lugar de destaque e poder na sociedade mundial.
E para atestar da grandeza deste homem que merece inteiramente o Prémio Nobel, já que combatendo a pobreza se contribui para a paz (a pobreza e a riqueza, ao contrário do que liricamente acontece na Íliada, são sempre as causadoras das guerras), deixo aqui uma pequena transcrição de uma excelente entrevista publicado num especial do Público:

"Tem defendido que o microcrédito é uma arma de combate ao extremismo, ao fanatismo. O 11 de Setembro tornou essa arma mais forte?

Com o 11 de Setembro, os grandes países tomaram um caminho diferente. Se estivessem à procura de uma solução pacífica para o mundo, estariam a olhar para o microcrédito, mas não, tomaram a estrada errada. A guerra não é a solução para acabar com o terrorismo. Matar terroristas não resolve o problema. É através da compreensão das causas que se resolve o terrorismo. Uma das principais é a injustiça. Pode ser injustiça política, social, étnica. Por exemplo, a guerra pelos direitos civis nos EUA no início da década de 60 foi violenta. Foi-se então à procura de solução: fez-se discriminação positiva, deu-se emprego, crédito, poder económico e político à população negra. Deram-se oportunidades às pessoas. A negritude já não é uma expressão de raiva, pode ser de insatisfação ou desapontamento de alguns, mas já não é de raiva. Por quê? Porque se abriram as portas aos negros. Esquecemo-nos, entretanto, das diferenças étnicas. Com paliativos o problema não desapareceria. Isso apenas acontece quando eu me esqueço da minha diferença étnica em relação ao outro. É o único caminho.

O que pensa sobre a “saúde” da sociedade norte-americana, quando os seus valores são exportados para o mundo e tem, ao mesmo tempo, mais de 31 milhões de pobres e uma criança pobre por cada seis?

O problema da sociedade americana é que o tema do dinheiro absorve-a. Se se tem dinheiro, pode fazer-se tudo o que se quiser. Outras coisas, como os valores da comunidade, estruturadores de uma sociedade, ocupam um lugar muito secundário nas suas preocupações. O dinheiro desempenha um papel central nas suas cabeças e é-se culpado por não se ter sucesso. Não se criam expectativas aos pobres, criam-se programas de segurança social e manda-se lá passar todos os meses para levantar o cheque de 200 dólares. Não é nada, mas permite-lhes dizer que estão a cuidar dos pobres, dão-lhes também alimentos, mas não os estão a retirar da pobreza de uma forma activa.
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