Recordo-me perfeitamente de como, dantes, era grande a expectativa que invadia o meu corpo de criança cada vez que um ano chegava ao fim e o meu tio se aproximava da porta da cozinha, levando na mão um novo calendário, e se preparava para trocá-lo com o que estava, moribundo, na parede. Hoje, que gosto tanto de ler e de estudar filosofias, esoterismo e ocultismo, parece-me que esse gesto tão simples é que era um verdadeiro e honesto ritual: o retirar lento do calendário do prego fino e escuro, já um pouco torto de suportar o passar dos anos, as poucas folhas ainda sobreviventes já gastas, assinaladas nos dias devidos com acontecimentos vários, e a substituição pelo novo, vaidoso e luzidio, ainda a cheirar a novo, com todos os seus desenhos garridos e folhas novas e indicadoras dos dias da semana e do mês, das efemérides e das fases da lua.
Era como um esquecer dos problemas do passado; como se o homem tivesse afinal de contas a capacidade divina de apagar o que lá vai e que é menos bom, mantendo, no entanto, sempre as boas recordações e ter sempre mais fé, mais esperança naqueles dias que serão mais ou menos iguais aos anteriores, mas que cheiram a novo, que têm tanta coisa por explorar, independentemente de todo o sofrimento por que passou anteriormente.
21/12/2003
O passar dos anos
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 22:41
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