08/12/2003

Nada é nosso

Gostava de poder voltar no tempo para poder viver outras vidas e emoções. De ter combatido os boches e os nazis, de ter participado nas linhas de defesa de Torres Vedras, de ter sido atacado em Pearl Harbour, de ter fugido para Casablanca ocultando documentos secretos, enquanto procurava a mulher que amava, de ter andado de terra em terra montado num cavalo a cantar cantigas de amigo para as donzelas que passavam, indiferente ao perigo que me esperava na ponta de cada espada. Gostava de ter ajudado a descobrir o rádio e a penicilina, de ter carregado sob sol ardente as pedras que hoje são as paredes das pirâmides. Gostava de ter vibrado com os Beatles, de suspirar pela Marilyn, de fazer amor e não guerra, até de descobrir que com duas pedras se pode afinal fazer fogo, ou de peregrinar atrás de um homem que veio da Nazaré e que contava parábolas de grande beleza e sabedoria. Gostava de ter fugido do incêndio de Roma, de nadar com um manuscrito na mão evitando que se molhasse, apenas porque contava a história de uma nação, de partir numa corrida louca para a Índia, enfrentando tempestades e monstros imaginários, ou de dançar uma valsa num salão de Viena.
Mas hoje, em redor, apenas ouço gritos e pessoas, muitas, desencantadas, sem saber para onde andar, sem conseguir perceber quais os caminhos que podem seguir. Ideias: poucas e confusas, entulhadas debaixo de um rio de informações duvidosas e exploradas comercialmente, preconceitos e futilidades.
Hoje temos tudo desde que nascemos.
E é por isso mesmo que nada é realmente nosso.

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