08/03/2010

Pequeno Conto para o Dia da Mulher (texto longo)

Já escrevi este conto há uns anos e já o utilizei algumas vezes em outros locais. Mas como uma amiga me lembrou dele e o seu título original era "Pequeno Conto para o Dia da Mulher", resolvi voltar a colocá-lo aqui na íntegra, dedicado outra vez, claro, a todas as mulheres.

1. Dizia-te coisas muito parvas e sem qualquer sentido, melosas, demasiado melosas eu sei, capazes de fazer torcer o nariz às pessoas menos habituadas a lidar com palavras doces, tão habituadas à rudeza das coisas, à rugosidade do dia-a-dia e à velocidade dos sentimentos. Dizia-te por exemplo: quando te vejo, sinto flores a crescerem nas minhas mãos. Ou então: não sei como é que o sol consegue nascer sem te ver primeiro. Ou ainda: quando vejo o teu sorriso, sinto que ganho asas e que sou capaz de voar. Mas não me importava nada de parecer tonto ou ingénuo, não me importava de te repetir lugares comuns ou palavras de um romantismo exagerado; o que me interessava era que o resultado das minhas palavras era sempre o mesmo, fossem as minhas palavras quais fossem, e esse resultado era o teu sorriso, depois o sabor doce dos teus lábios e as cócegas que o teu cabelo comprido fazia no meu peito nu.

2. Há muitas coisas que nunca te contei, mas que gostava agora que soubesses. Um dia disseram-me que os anjos não comunicam da mesma maneira que os humanos, por palavras, mas sim por vibrações. E nessas vibrações eles não entendem a palavra não. Por isso, para nos entenderem, temos sempre que ser afirmativos e positivos. Achei tanta piada a isto que, a partir desse dia, quando te levantavas devagar da cama e te preparavas para ir embora, já não te pedia para não ires, como fazia tantas vezes. Em vez disso, dizia-te apenas: fica. Ainda não sei se eras mesmo um anjo ou não. Talvez fosses, acho que nunca saberei. Mas a verdade é que ficavas sempre mais um pouco, quando eu te dizia simplesmente para ficares.

3. Algumas das vezes em que aparecias sem avisar na minha casa, depois de pousares a mala no sofá e de acariciar o pelo macio dos gatos, depois de espalhares o teu cheiro a flores silvestres pela sala, olhavas-me nos olhos e dizias que querias ficar sozinha comigo no meio de uma multidão. Das primeiras vezes não percebia o que querias dizer, porque era uma frase confusa e porque ainda estava atordoado pela tua aparição súbita, que me enchia sempre de uma alegria contagiante de criança e me deixava capaz de fazer as coisas mais loucas, de dar cambalhotas ou de fazer o pino, de sair para a rua e gritar o que sentia, sei lá, ficava assim, vê bem como ficava, completamente eufórico e inconsequente. Mas, mesmo sem perceber o que querias dizer, confiava em ti cegamente. Não podia fazer outra coisa, se ficava assim, assim de uma forma que não te consigo descrever bem, atordoado, acho que é a palavra mais parecida com aquilo que te quero dizer, sem forças para te dizer que não. Era por isso que te seguia para onde me levavas. E então, porque te seguia cegamente, fosses tu para qualquer lado, íamos sempre para onde houvesse muita gente, para onde houvesse muita confusão e gritaria, para o meio de um estádio de futebol num dia de jogo importante, para a estreia de um filme de grande sucesso, ou para a pista principal de uma discoteca ao fim-de-semana. E tinhas razão. Tudo o que nos rodeava desaparecia quando ficávamos os dois sozinhos, no meio daquelas coisas todas, como se ambos conseguíssemos existir no vazio e os outros estivessem ali apenas para assistir ao enlaçar das nossas mãos.

4. Uma das coisas que mais admirava em ti era a tua serenidade. Não sei como conseguias nunca te irritar perante nada, nem mesmo quando os problemas apareciam em catadupa e pareciam querer engolir tudo. Reagias às contrariedades de uma forma bem diferente da minha, sempre com leveza e suavidade, como se o mundo fosse uma coisa lógica e capaz de se remendar a si próprio com toda a facilidade. Lembro-me bem: olhavas calmamente para mim enquanto eu desfiava os problemas, assustado, sentindo-me perdido no meio do negrume. Depois, quando me calava, acendias um cigarro. Olhavas para a chama do isqueiro, como se fosse uma luz que iluminasse a escuridão, e depois para o fumo que invadia o ar. Olhavas outra vez para mim. Não era o isqueiro a verdadeira chama, afinal. Dizias: tem calma. E eu tinha. Tinha toda a calma do mundo. E os problemas desapareciam no ar, como o fumo do teu cigarro.

5. Queria que esta história nunca terminasse e que pudesse escrevê-la para sempre, mesmo que fosse demasiado romântica e que me repetisse vezes sem conta. Ou então, queria que fosse como os dias, que morrem, mas depois voltam a nascer e seguem este ciclo eterno, seguindo uma tradição que nunca será rompida pelo tempo. É por isso que me recuso a escrever mais alguma coisa sobre ti, que faço um esforço titânico para não relembrar mais nada que se tenha passado entre nós. Para que continue sempre invadido da esperança de que tudo regresse e que nunca chegue o momento em que tenha de terminar uma última frase sobre ti com um ponto final, detesto esta palavra, final, para não ficar com a eterna sensação de que existem dias que, quando terminam, não voltam a nascer; seja porque o sol está morto de saudades, ou porque a lua não consegue parar de chorar

4 comentários:

The Bride disse...

Juro-te que da próxima vez que me cruzar contigo... na rua... na disco... no jardim... nas escadas... no palco... na plateia... na pastelaria... na lua ou na terra, seja onde for, vou-te abraçar com toda a força que tiver.

Nunca te esqueças que gosto muito de ti.

Cristiana.

O Meu Confessionário da Alma disse...

Ohhh... Pronto, ai...
Já li isto vezes sem conta e sempre as leio como se fossem as primeiras vezes, acho que são estes os textos, teus, que mais me sensibilizam e deixam ver quem és, aliás acho que é este ser que vejo que admiro, mesmo.
E bem, olha que me estava a comportar, e nada de lágrima, mas... adorei a forma como a tua amiga escreve depois, maravilhoso, adorei... o resto já sabes... lá cai a lágrima...

É isto, este teu lado que por vezes tenho medo que o percas, e não deves... Já há pouco, e tu sabe-lo bem...

Tissues please!!!

beijocas
alma linda

ps: "alma de poeta" não poderia dize-lo melhor... adorei as palavra...

O Meu Confessionário da Alma disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Katiana disse...

Luís obrigada por continuar a fazer -me feliz
Mais uma vez, obrigada por me fazeres sorrir
Sentir-me ainda melhor por ser Mulher
Obrigada por existires.
Beijos