A minha amizade com o poeta Paulo Ferreira Borges tem uma história curiosa. Conhecemo-nos há coisa de oito anos, numa altura em que eu trabalhava num jornal regional e era responsável pela área cultural da publicação. Na ocasião, o Paulo Ferreira Borges acabava de vencer o Grande Prémio de Revelação em Poesia da Associação Portuguesa de Escritores com o livro "Para tentear a desmesura" (Difel 2002) e eu entrevistei-o. A amizade gerou-se imediatamente, com muitas conversas sobre livros e sobre a vida em geral onde ele, com o seu eterno ar de "misticismo realista" (ele vai rir quando ler isto) me levou também a perceber um pouco mais de poesia.
Acompanhei por isso, com imensa alegria, ainda nesse mesmo ano, a publicação do seu segundo livro, maravilhoso, "A água materna dos poentes" (Hugin 2002), que também foi premiado, desta vez com o Prémio Fernando Pessoa.
Depois, colaborámos num projecto muito interessante. A convite do então vereador da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, Jorge Mangorrinha, iniciámos a escrita de uma novela chamada "A Praça dos Artistas", passada na cidade termal, mas numa praça imaginária, onde os personagens representam figuras tipo da história caldense. A novela foi publicada em capítulos num boletim cultural da autarquia, com cada um de nós a escrever um capítulo intercaladamente e sem falarmos um com o outro sobre o assunto para a surpresa sobre o enredo ser absoluta.
Seguiram-se três anos de silêncio. De escrita, claro, pois várias foram as vezes em que nos encontrámos e trocámos impressões, embora na verdade não tantas como dantes. Mas agora os projectos voltam em grande. O Paulo Ferreira Borges, que terá brevemente uma série de novidades, acabou de editar mais um livro, este agora numa edição mais caseira, mas que terá em breve uma nova roupagem. Trata-se do livro de poesia "Do Tempo Sitiado - geopoemas s/d", publicado pela Textiverso.
É um livro que me levanta muitas memórias pois lembro-me de ter lido muitos dos poemas antes de serem publicados, ainda escritos a esferográfica. O Paulo dava-mos a ler nos nossos cafés ao final da tarde ou início de noite, enquanto eu lhe mostrava alguns esboços dos meus trabalhos de ficção. E, como se não bastasse a alegria de ver este novo livro nascer e de reconhecer alguns dos versos, o Paulo Ferreira Borges honrou-me ao dedicar um dos poemas do livro, chamado "Penar Baji", lembrando as nossas grandes conversas sobre o destino e o divino.
Deixo aqui, emocionado, o poema. Brevemente colocarei outros poemas do mesmo autor. E poderão perceber a razão do Paulo Ferreira Borges ter ganho dois prémios tão importantes com os dois primeiros livros que publicou.
Penar Baji
Investiga-me a sorte, lê-me
a sina, como se estivesse manus-
crita no papiro das sacradas
escravaturas ou no pergaminho
de um novo fundamento. Murmura,
podes murmurar o ensalmo certo,
o canto de um cometa que saiba tudo
de mim, distantemente de mim.
Desborda-me a vida, como faz o dique
para descrever no pó a viagem seminal
das irrigações. Ouvirei a tua ciência
maldita, bebida no cálice dos loucos
e dos visionários. Depois, devolve-me
a mão, o que nela se prescreve, e parte,
dissolve-te no crepúsculo, com ar
de bajibaora a rogar-me uma praga
de sorrisos. Saber-se-à
nessa tua ciência oriunda dos astros,
que numa noite, numa só noite,
o vento apaga todos os vestígios?
Caldas da Rainha, Pastelaria Machado, s/d
04/06/2008
Livro com dedicatória especial
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 04:18
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