23/05/2004

Tróia e os eternos críticos

Já se sabe que há sempre que dizer mal das coisas. No entanto, confesso que não compreendo muito bem como é que existem certas críticas tão negativas ao filme. O argumento usado para a maior parte delas prende-se com as diferenças entre o filme e "A Ilíada", de Homero.
Parece-me que é urgente que algumas pessoas percebam que um autor tem todo o direito de criar uma versão de uma história já contada antes. As diferenças seriam graves, sim, se o filme fosse assumido como a transposição da obra de Homero para o cinema. Não, não se trata disso, até porque muitos episódios que aparecem no filme correspondem a outros livros, que não a "Ilíada", como, por exemplo, a famosa cena do Cavalo que pertence a outra obra de Homero, "A Odisseia". Este é um filme, independente, chamado "Tróia", que se baseia em episódios narrados na literatura grega, retirando os que não interessam aos seus autores, para criar um novo enredo.
E o que eu acho mais engraçado nas críticas feitas por maior parte dos "fanáticos" da Ilíada é que se esquecem de que a própria mitologia grega tem várias versões para as mesmas histórias. Por exemplo, existe uma versão que diz que Aquiles foi criado no meio das mulheres da corte de Licomedes, uma vez que a sua mãe Tétis tinha medo que se cumprisse a profecia de que teria uma vida de glória, mas curta. Nessa versão, foi Ulisses que, com a sua inteligência, conseguiu descobri-lo no meio das mulheres e o convenceu a ir para Tróia.
Era só o que faltava, um autor não poder pegar numa obra já existente e criar novas estórias e enredos (Saramago não poderia, por exemplo, ter escrito "O ano da morte de Ricardo Reis", nem Kundera poderia ter escrito "Jaques e o seu Amo", nem Marion Zimmer Bradley poderia ter escrito "As Brumas de Avalon" ou "Presságio de Fogo").
A minha opinião sobre o filme é a que já dei no outro dia: é um bom filme, com boas interpretações, bons efeitos visuais, alguma emoção e ritmo. Isto, claro, se percebermos que as omissões e as diferenças em relação à versão que é mais conhecida, são intencionais e destinam-se a criar uma nova história, um novo filme.
Como já escrevi num post anterior, eu também gostaria de ter visto Cassandra, Hécuba, Eneias com maior destaque, e muitas cenas que são memoráveis, também gostava que Aquiles tivesse morrido antes do Cavalo de Tróia e com uma só flecha no seu calcanhar (até porque é a morte de Aquiles que faz com que os troianos acreditem na desmoralização e fuga dos gregos), etc, etc. Mas, para isso, lerei os clássicos.
Quando entrei no cinema, sabia de uma coisa. Não ia ver "A Ilíada", de Homero. Ia ver "Tróia", de Peterson.

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