Jorge Jesus tem feito um grande trabalho à frente do Benfica. Isso não está minimamente em causa e, neste momento, se mandasse algo no clube, não o trocaria por nenhum outro treinador.
Posto isto, acredito no entanto que, hoje, Jorge Jesus foi pequeno demais para o Benfica. Aliás, provou, de uma vez por todas, que, graças ao seu conhecimento táctico, à sua capacidade de melhorar aspectos técnicos nos jogadores, etc, podia ser um dos melhores do mundo, mas que, para isso, precisa ainda de largar a mentalidade de medo e pequenez que tantas vezes acompanha o povo português, do qual ele é um tão típico representante.
Mas, infelizmente, ao contrário de Mourinho, que aceita ser um vencedor, afirma-o perante tudo e todos, e é por isso o melhor, Jorge Jesus não tem esse espírito de vitória. Está habituado a clubes pequenos, que lutam para não descer ou para ir à Liga Europa, está habituado a que qualquer bom resultado seja já uma vitória grande para o clube. Mas no Benfica isso não chega. E há momentos em que perceber de algo, seja no futebol ou em qualquer outra matéria, não é tudo. É preciso mais do que isso, é preciso ter alma e coragem. Sim, porque o futebol, às vezes, não é apenas futebol. Às vezes é também uma metáfora da vida. E hoje ficou provado isso. Raramente aquele que se previne, aquele que faz as suas escolhas contando com o falhanço ou com a derrota, aquele que joga pelo seguro, raramente esse triunfa. Esse, quanto muito, na melhor das hipóteses, não perde. Mas quem ganha realmente algo, e isto é uma lei da vida, não do futebol, é quem tem coragem e aceita criar o seu caminho.
Jorge Jesus quis perder o jogo de hoje. Andou a semana toda a apregoar o casaço que os seus jogadores sentiam por ter sido adiado o jogo com a Naval. Mas foi decisão sua. Andou a época toda a dizer que só queria o campeonato, retirando a grandeza europeia a um Benfica que tem história suficiente para a exigir e que, inclusive, já tinha mostrado estar à altura. Mais uma vez avisou dos perigos do cansaço de um onze que não tem sido rodado, também, digo eu, por medo, já que em alguns jogos durante o campeonato, em casa contra equipas francamente mais fracas, alguns jogadores podiam ter sido poupados, dando hipóteses a outros jogadores de ganhar ritmo competitivo e não sobrecarregando os titulares habituais.
Depois, a sua parte táctica, normalmente impecável, foi incompreensível hoje. Jorge Jesus apostou no inenarrável guarda-redes Júlio César em toda a competição europeia. Teve sorte nos primeiros jogos pois a equipa respondeu bem à sua insegurança, mas a verdade haveria de vir ao de cima mais cedo ou mais tarde. E hoje veio quatro vezes ao de cima. Sim, quatro, porque o golo sofrido por Moreira já é uma consequência de tudo o resto feito anteriormente. O brasileiro poderá um dia vir a ser um bom guarda-redes, mas ainda não o é. E muito menos para uma prova como esta.
Depois, como se não bastasse tudo isto, Jorge Jesus fez experiências na defesa num jogo desta importância. Como é possível que tenha tirado Maxi Pereira do onze inicial, logo ele, o mais batalhador de todos os jogadores do Benfica, ainda por cima quando ele está suspenso contra o Sporting e não era necessário poupá-lo? E Coentrão também não merecia uma hipótese de mostrar a sua raça? E não seria interessante ter esses dois laterais em campo, tão ofensivos, para meter em sentido as alas do Liverpool e evitar os cruzamentos para Torres?
E qual a razão para Jorge Jesus desfazer a melhor dupla de centrais dos últimos anos do Benfica, colocando David Luiz na esquerda e lançando um jogador que tem potencial mas que não joga e não tem ritmo, no centro da defesa, mesmo ali na área de intervenção de um dos melhores avançados do mundo, Fernando Torres?
O Liverpool não é melhor do que o Benfica. Exceptuando Torres, Gerrard e o Kuyt, nenhum jogador do Liverpool conseguiria ter de caras lugar como titular neste Benfica. E, como o Liverpool não é melhor do que o Benfica, não foi o Liverpool que ganhou o jogo. Foi o Benfica que o perdeu.
Claro que alguns benfiquistas vão falar do árbitro. E sim, o árbitro erra, parece-me, no lance do primeiro golo. Mas, além de ser um lance discutível, já na primeira mão o Benfica beneficiou de dois penalties e teve algumas felicidade na expulsão do jogador do Liverpool, pelo que não se pode usar a arbitragem como razão para a eliminação.
A derrota esteve na atitude. É caso para dizer que o espírito de ser coitadinho, o complexo de não ser capaz, o mais valer contentar-me com pouco do que arriscar tudo, esse mesmo espírito mesquinho que acompanha o nosso País, abateu-se sobre o Benfica, afinal de contas, seu representante além-fronteiras.
Obviamente que, mesmo que agora os jogadores se desmoralizem, o Benfica vai ganhar o campeonato. Tem uma vantagem confortável demais a cinco jornadas do final e o Braga, que é o único que racionalmente ainda pode chegar ao título, não tem estaleca para vencer os jogos todos, como por exemplo a deslocação ao Funchal para defrontar o Nacional. Mas, depois da forma como se deu esta derrota, mesmo vencendo Campeonato e Taça da Liga, fica um sabor amargo a pouco. Não porque o Benfica tenha obrigação de ganhar provas europeias. Mas porque o podia ter feito, se tivesse tido vontade para tal.
Seria interessante e irónico ver agora uma inversão da história bíblica e, perante o afogar do Benfica, ver-se, no banco, Rui Costa, vestido de São Pedro, ele tão habituado a ser vencedor, a ganhar troféus, a ter atitude de campeão, virar-se para Jesus e perguntar “Porque duvidaste, homem de pouca fé?”.
08/04/2010
Porque duvidaste, Jesus de pouca fé? (crónica de um benfiquista desiludido)
Publicada por Luís Costa Pires à(s) 23:25
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