16/10/2003

A vida e a morte

Quando menos esperava, aconteceu o que eu mais temia. Um dos gatinhos não resistiu às primeiras horas de vida e morreu junto da mãe e dos irmãos. Como se não bastasse, as restantes crias, naquela confusão da luta pelo melhor lugar para mamar, acabaram por enrolar-se no cordão umbilical do falecido, que apodrecia enquanto as horas passavam. Quando cheguei do trabalho, dois já tinham patas partidas. O veterinário não teve outra hipótese senão poupar-lhes o sofrimento, enquanto garantia a segurança dos outros.
Dos cinco, sobram agora dois. Os mais fortes, claro, que, nestas coisas, a mãe natureza não brinca. Os dois maiores, mais desenvolvidos, mais corpulentos. Os dois que conseguiram manter-se em cima, naquela confusão de corpos e patas. Um deles, ainda fui eu que libertei, ao cortar o cordão umbilical com uma faca (não sei ainda onde fui arranjar a frieza e a precisão para o fazer naquele emaranhado de recém-nascidos).
E a gata? A gata continua igual a si mesma. Ronrona sempre que me vê, ciente de que quero tão bem àquelas crias como ela. Entretanto, cuida dos sobreviventes como se nada tivesse acontecido de mal e tivesse parido apenas duas crias. Não age assim por falta de amor aos que morreram. Fá-lo porque é sábia e ensina-me todos os dias mais uma coisa.
Nesta nova lição ensinou-me, com o amor com que trata os sobreviventes, a valorizar, cuidar e amar o que tenho, em vez de lamentar o que perdi.
Que prodígio da natureza, esta gata, que todos os dias parece saber mais e mais da vida.

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