28/10/2003

Enlaçar das mãos

Algumas das vezes em que aparecias sem avisar na minha casa, depois de pousares a mala no sofá e de acariciar o pelo macio dos gatos, depois de espalhares o teu cheiro a flores silvestres pela sala, olhavas-me nos olhos e dizias que querias ficar sozinha comigo no meio de uma multidão. Das primeiras vezes não percebia o que querias dizer, porque era uma frase confusa e porque ainda estava atordoado pela tua aparição súbita, que me enchia sempre de uma alegria contagiante de criança e me deixava capaz de fazer as coisas mais loucas, de dar cambalhotas ou de fazer o pino, de sair para a rua e gritar o que sentia, sei lá, ficava assim, vê bem como ficava, completamente eufórico e inconsequente. Mas, mesmo sem perceber o que querias dizer, confiava em ti cegamente. Não podia fazer outra coisa, se ficava assim, assim de uma forma que não te consigo descrever bem, atordoado, acho que é a palavra mais parecida com aquilo que te quero dizer, sem forças para te dizer que não. Era por isso que te seguia para onde me levavas. E então, porque te seguia cegamente, fosses tu para qualquer lado, íamos sempre para onde houvesse muita gente, para onde houvesse muita confusão e gritaria, para o meio de um estádio de futebol num dia de jogo importante, para a estreia de um filme de grande sucesso, ou para a pista principal de uma discoteca ao fim-de-semana. E tinhas razão. Tudo o que nos rodeava desaparecia quando ficávamos os dois sozinhos, no meio daquelas coisas todas, como se ambos conseguíssemos existir no vazio e os outros estivessem ali apenas para assistir ao enlaçar das nossas mãos.

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