31/12/2003

Bom 2004

Apesar de não ter andado com tempo para vir aqui ao blogue (e peço desculpa por isso a todos os que o visitam regularmente), não poderia deixar chegar o ano de 2004 sem desejar a todos um óptimo ano, cheio de sonhos realizados.

Tudo de bom.

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21/12/2003

O passar dos anos II

Escolher. É isso que se faz cada vez que um novo ano começa. Começamos logo por escolher que resoluções tomar para os próximos trezentos e sessenta e cinco dias, sem saber, ou sequer ligar, ao que irá acontecer em qualquer um deles. Quando muito sabemos, e porque aquele calendário novo, garboso, luzidio, que está agora pendurado na parede nos diz, que a lua irá estar cheia em dia tal, ou que poderemos dormir até mais tarde no dia xis. Mas, mesmo assim, mesmo sem saber de nada, estas decisões são fortes e decididas, mesmo que não cheguem depois a passar de um sonho ou de uma vontade.
É pena que, com o passar dos dias, deixemos desvanecer-se essa fé infinita na criação desses novos caminhos, e nos deixemos depois conduzir.
Infelizmente, não tenho agora o hábito de pendurar um calendário novo na porta da cozinha no dia um de Janeiro de cada ano. Mas, lembrando os ensinamentos sábios e silenciosos do meu tio, talvez o volte a fazer agora, que percebo com tanta clareza a riqueza deste ritual tão simples.
E permita-me sugerir-lhe, caro amigo leitor, que, caso também não tenha este hábito, o ganhe agora. Nem que seja para que, durante o ano que ainda agora começou, se vá lembrando, de vez em quando, de tudo aquilo que queria mudar na sua vida, de toda a individualidade que queria alcançar, de toda a força que sentia e que o distante passar dos dias e o cair da areia da ampulheta do tempo vai minando e desgastando.
E assim talvez consiga recuperar o sonho e lutar pelo que deseja. Sem medos. E mudar com um sorriso cada nova folha do calendário.

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O passar dos anos

Recordo-me perfeitamente de como, dantes, era grande a expectativa que invadia o meu corpo de criança cada vez que um ano chegava ao fim e o meu tio se aproximava da porta da cozinha, levando na mão um novo calendário, e se preparava para trocá-lo com o que estava, moribundo, na parede. Hoje, que gosto tanto de ler e de estudar filosofias, esoterismo e ocultismo, parece-me que esse gesto tão simples é que era um verdadeiro e honesto ritual: o retirar lento do calendário do prego fino e escuro, já um pouco torto de suportar o passar dos anos, as poucas folhas ainda sobreviventes já gastas, assinaladas nos dias devidos com acontecimentos vários, e a substituição pelo novo, vaidoso e luzidio, ainda a cheirar a novo, com todos os seus desenhos garridos e folhas novas e indicadoras dos dias da semana e do mês, das efemérides e das fases da lua.
Era como um esquecer dos problemas do passado; como se o homem tivesse afinal de contas a capacidade divina de apagar o que lá vai e que é menos bom, mantendo, no entanto, sempre as boas recordações e ter sempre mais fé, mais esperança naqueles dias que serão mais ou menos iguais aos anteriores, mas que cheiram a novo, que têm tanta coisa por explorar, independentemente de todo o sofrimento por que passou anteriormente.

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A não perder

Fantástica a crónica de Clara Ferreira Alves no Diário Digital, sob a prisão de Saddam. A não perder.

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15/12/2003

Na MTV...

Chego a casa cansado. Ligo a televisão. Não quero ouvir notícias, nem ouvir histórias com sotaque brasileiro. Mudo para a MTV. Vejo Tori Amos ao piano, virtuosa, selvagem, dedicada de corpo e alma à música que gosta de cantar.
Agora já estou pronto para enfrentar o mundo.

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14/12/2003

Boa notícia

De regresso do Porto, onde duas interessantes conversas sobre livros, a hospitalidade nortenha e as viagens me ocuparam o sábado, acordo e ligo a televisão. Saddam foi capturado. Quer se concorde com a guerra, quer não, esta é sempre uma boa notícia. É que, acima de tudo, Saddam foi um ditador sanguinário. E, depois, esta é uma garantia de que a actividade da resistência, quer no interior do Iraque, quer nos países ocidentais sofreu uma grande baixa. O próprio terrorismo internacional, que irá continuar com toda a certeza, sofreu, ainda assim, uma derrota.
É claro que o ideal seria outro, um final desta história sem guerra, sem invasões, sem a prepotência americana e o servilismo português.
Mas, dentro da realidade possível, esta foi uma boa notícia.

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11/12/2003

De partida para o Porto

Para o pessoal do norte, fica aqui a notícia. No sábado, dia 13, estarei pelas 17 horas na FNAC de Santa Catarina, para uma conversa sobre literatura e os meus romances, com especial destaque para o último, chamado "Mandrágora". Depois, pelas 22 horas, conversarei com os interessados na FNAC do NorteShoping.

Será uma conversa despretenciosa, amena e com amizade, sobre livros e sobre tudo o que interessar aos presentes.

Apareçam.

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08/12/2003

Nada é nosso

Gostava de poder voltar no tempo para poder viver outras vidas e emoções. De ter combatido os boches e os nazis, de ter participado nas linhas de defesa de Torres Vedras, de ter sido atacado em Pearl Harbour, de ter fugido para Casablanca ocultando documentos secretos, enquanto procurava a mulher que amava, de ter andado de terra em terra montado num cavalo a cantar cantigas de amigo para as donzelas que passavam, indiferente ao perigo que me esperava na ponta de cada espada. Gostava de ter ajudado a descobrir o rádio e a penicilina, de ter carregado sob sol ardente as pedras que hoje são as paredes das pirâmides. Gostava de ter vibrado com os Beatles, de suspirar pela Marilyn, de fazer amor e não guerra, até de descobrir que com duas pedras se pode afinal fazer fogo, ou de peregrinar atrás de um homem que veio da Nazaré e que contava parábolas de grande beleza e sabedoria. Gostava de ter fugido do incêndio de Roma, de nadar com um manuscrito na mão evitando que se molhasse, apenas porque contava a história de uma nação, de partir numa corrida louca para a Índia, enfrentando tempestades e monstros imaginários, ou de dançar uma valsa num salão de Viena.
Mas hoje, em redor, apenas ouço gritos e pessoas, muitas, desencantadas, sem saber para onde andar, sem conseguir perceber quais os caminhos que podem seguir. Ideias: poucas e confusas, entulhadas debaixo de um rio de informações duvidosas e exploradas comercialmente, preconceitos e futilidades.
Hoje temos tudo desde que nascemos.
E é por isso mesmo que nada é realmente nosso.

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Novo design

E pronto, enchi-me de paciência e, com muito esforço, descobri como fazer algumas alterações ao template do Depois da Noite. Espero que o blogue fique mais do agrado de todos.
Mas, se não ficar, pelo menos uma coisa é certa. Este novo aspecto da página tem muito mais a ver comigo e, principalmente, não é igual a tantas outras, como acontecia dantes.
E, à medida que for descobrindo mais sobre este universo dos blogues, esperam-se mais mudanças.

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Novos links

De tempos a tempos, é necessário actualizar a lista dos blogues. Porque existem textos fantásticos, piadas geniais e, principalmente, conceitos originais e inovadores por essa blogosfera. Por isso, acrescento hoje mais quatro, na certeza de que existem muitas mais dezenas que merecem figurar em qualquer lista de links.
São eles o Blogo Social Português, pela sua irreverência e voz crítica, o Eu Adoptei, ao qual me uno também na sua campanha pela adopção de crianças em Portugal (e aproveito para agradecer ao Nunca te disse por me ter dado a conhecer esta acção), o Mar Salgado, já um clássico da blogosfera nacional, e o Aqui não há poeta, onde as palavras fluem de forma mágica.
Por agora são estes. Mas em breve serão mais.

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05/12/2003

Aforismo delirante

A liberdade é a cruz a que me abraço.

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Melodia

Toma atenção, abafa os lamentos e escuta a minha voz como se fosses uma pianista. Com perícia, afina as notas soltas da minha voz e apaga as palavras mal ditas e ressentidas. Ordena as minhas frases de forma a que se tornem sonatas e poemas, com cambiantes e matizes melodiosas, ou então para que desafiem o silêncio das coisas não ditas, das visões que não existem, e então se ergam no ar com o estrondo de um foguete luminoso.
Depois, usa a minha boca como se fosse uma flauta e submerge-me nessa música que fazes soar dentro de mim todos os dias, a todos os momentos, a cada novo raio de sol. E então descansa. Sei que, depois dos aplausos, não terás que esperar muito pelo silêncio que se segue, o silêncio que rodeia quem se cala, sonhando poder ouvir toda a melodia outra vez.

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01/12/2003

Cena banal

Há uma cena a que assisto quase todas as manhãs e que me deixa um pouco mais alegre. É uma visão simples, singela, que, certamente, acharão banal. Mas, não sei por que razão, se por esta mania que eu tenho de não intelectualizar os sentimentos e deixá-los fluir, é uma cena que me toca profundamente.
E é tão simples quanto isto: uma senhora com os seus 70, 80 anos, pequenina, curva, olhar doce, mas ausente, diria perdido no passado, a passear o cão, pequenino, peludo, esteja a chover (altura em que a senhora usa um lenço na cabeça) ou a fazer sol.
É só isto. Mas, não sei. Toca-me, o que é que querem? Nunca vos aconteceu, serem tocados por algo sem percebem bem porquê?

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29/11/2003

Poema roubado

Hoje apeteceu-me roubar um poema:

Eu não sei se
Conheci a luz ou a sombra
Quando bebi nas águas
Sob a tua pele

Sei que ouvi um rumo
Antiquíssimo
Quando as águas cantaram
Na minha boca

Águas que regressam agora
Silenciosamente
Ao chão desta floresta
Cheia de música.


António Ramos Rosa e Casimiro de Brito, in "Duas águas, um rio"

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28/11/2003

Decisão

Não sei com quem.
Não sei quando.
Principalmente, não sei como.
Mas, ainda assim, vou.

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27/11/2003

Os piores anúncios de sempre

Muitas pessoas queixam-se do tamanho dos intervalos nas televisões portuguesas. Eu apenas me queixo deles quando acontecem no meio de filmes ou de boas séries (cada vez mais raras). Porque, de resto, a publicidade costuma ser mais interessante do que os próprios programas. E Portugal, nesse campo, tem uma boa tradição, com anúncios com piada.
Mas, em conversa com o meu amigo Victor Silva e Sousa, cheguei à conclusão de que os novos anúncios da Sumol são os mais estúpidos e mal feitos de sempre. Alguém me explica o interesse daquele comercial idiota, onde um rapaz com cara de parvo assiste a uma rapariga de trancinhas a beber o referido sumo, sem lhe ligar patavina, fazendo depois um gesto de quem está a disparar duas pistolas imaginárias, enquanto faz uma nova cara ainda mais parva que a anterior?
E dizem que quem bebe sumol é um sumólico? O que é um sumólico? Ser alcoólico eu sei que é mau, agora será que é mesma coisa? Mas, nesse caso, é importante perguntar: o que faz um sumólico quando não bebe sumol? Arruma carros para ter dinheiro para o sumo?
Não sei se sentem o mesmo que eu, mas este anúncio veio dificultar-me a vida. Eu gostava de sumol. E de vez em quando bebia um. Agora não sou capaz. Sinto que, se chegar a um café e pedir um sumol de ananás, por exemplo, a rapariga que me atende vai olhar para mim e pensar “oh não, ele é um daqueles”.
Mas estes novos anúncios também terão as suas vantagens, certamente. Se quisermos impressionar uma psicóloga, basta pedir um sumol. Inevitavelmente, ela vai olhar para nós, com aquele ar interessado e estudioso, molhar os lábios, cruzar as pernas e sussurrar: “Conta-me tudo. Desde quando te começaste a sentir inadaptado em relação ao mundo?”

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O défice da França e da Alemanha

Parece-me que a esquerda não foi muito inteligente ao convocar o debate de urgência sobre o problema do défice excessivo da França e da Alemanha. O nosso País, até pelo nosso próprio défice excessivo, não poderia fazer outra coisa do que fez na reunião da Comissão Europeia. Pela primeira vez, sou obrigado a concordar com a Ministra Manuela Ferreira Leite. Portugal, com um défice elevado, ainda por cima camuflado por expedientes extraordinários de contabilidade, teria algum direito para exigir sanções à França ou à Alemanha? Além disso, parece que a minoria de bloqueio que existiu na reunião impediu que houvesse alguma proposta de sanção aos dois poderosos gigantes económicos europeus.
Agora, espero que isto sirva de lição para o Governo e que se deixe de apertar o cinto desta maneira no nosso País e que se preste mais atenção às necessidades básicas dos portugueses, bem como investir para cimentar a nossa economia. É que, afinal, parece que a União Europeia não se importa. O precedente está aberto. Diz a jurisprudência que, para casos iguais, sanções iguais.
Vamos lá a investir, Dr. Durão Barroso!

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Há dias

Há dias assim como este, em que acordo com vontade de mudar o mundo todo (naquela arrogância que temos quando achamos que somos donos da verdade). Mas, depois, com o passar dos minutos e das horas, esse sentimento passa. Quando me relembro de quão humano sou, de quantos erros cometo, quando me relembro de que apenas a boa vontade não basta, que é preciso muito mais.
E, então, levanto outra vez a cabeça e caminho.

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24/11/2003

A qualidade da marca portuguesa

Vejo o telejornal do Canal 1, onde uma simpática empresária explica que a sua empresa de roupa vai apostar agora no mercado de leste. Gosto de saber disso. No entanto, logo a seguir, ela explica que o fazem porque, e cito, "como eles são mais atrasados, pode ser que gostem das marcas portuguesas".
É de mim, ou esta frase é infeliz? Quer dizer que só os atrasados é que aceitam a qualidade das nossas marcas?

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Tertúlia

Reproduzo aqui agora uma nota de imprensa sobre a minha participação numa tertúlia, em Odivelas, no próximo dia 30 de Novembro.

"No dia 30, em Odivelas
Luís Costa Pires em tertúlia literária

Numa organização da Magicx Productions, o escritor Luís Costa Pires vai estar presente, no próximo domingo, dia 30 de Novembro, véspera de feriado, pelas 21:30 horas, em Odivelas, no bar BY, para falar da sua obra e dos seus livros, com especial relevo para o seu último romance, “Mandrágora”, publicado pela Editorial Notícias no final do ano passado.
Na tertúlia, a ter lugar neste espaço de grande beleza, vai estar também presente um violinista para aumentar a qualidade do ambiente, bem como outros poetas e actores que irão dizer poesia e textos poéticos de Luís Costa Pires e de outros autores.
Depois de “A Rainha de Copas” (prémio Prosas de Estreia) e “Depois da Noite”, “Mandrágora” foi o último romance que Luís Costa Pires publicou, ainda antes da recente aventura de publicação da peça de teatro “A Desconstrução da Alma”, já estreada e a ser agora ensaiada para os palcos lisboetas, em Março de 2004. Trata-se de um livro polémico e provocador, que mistura uma boa dose de erotismo e reflexões sobre a igreja e a sociedade portuguesa, com os seus tabús e falta de fraternidade. Segundo o autor, é um livro que apela ao “livre-arbítrio e à coragem de cada um seguir o seu destino”.
O autor inicia também uma colaboração no site internacional da Magicx Productions, um site ligado à música e ao mundo dos espectáculos, que pode ser encontrado em www.magicx.net.
Além da escrita, Luís Costa Pires dedica-se ao jornalismo, à assessoria de imprensa, ao associativismo e à produção de espectáculos. É colaborador de várias publicações, como as revistas alternativas “365” e “DIF”, o jornal canadiano “The Portuguese Post”, a revista “Festa” e os sites “Oeste Online” e “Fábrica de Conteúdos”.
Em 1998 foi condecorado com a medalha da cidade das Caldas da Rainha, pelo contributo dado à cultura no concelho. Mais recentemente, em 2001, foi-lhe atribuída uma bolsa de criação literária pelo Centro Nacional de Cultura para a escrita do seu quarto romance, em curso, que se denominará “O Animatógrafo”."

Estão todos convidados para aparecer.

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19/11/2003

Grandes de mais

Sei que não é suposto falar de futebol neste blogue. Mas não resisto a uma farpa: estou farto de rir com os incidentes acontecidos no final do jogo de ontem entre os Sub 21 de Portugal e da França. Aquela coisa do tecto do balneário ter caído, com os jogadores portugueses a limitarem-se a dizer que mandaram uns aos outros ao ar no meio dos festejos da vitória, e o problema ter sido a pouca altura do tecto tem muita piada. Mas, ao mesmo tempo, tem, com toda a certeza, um fundo de verdade.
É que, para mim, o problema dos franceses e a razão pela qual estão tão indignados é mesma essa: ontem fomos grandes de mais para eles. No balneário, é certo, mas também no relvado. E isso é que os lixa.

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O Leão e o Beija-Flor

Não me lembro de que cultura é esta pequena história, mas lembrei-me dela a propósito dos posts anteriores.
Então, diz a história que houve um grande incêndio na selva e que os animais fugiram todos, apavorados. O leão, grande e poderoso, como rei dos outros animais, ficou para trás para se certificar de que todos tinham conseguido sair do inferno de labaredas. Quando já se preparava para ir embora, percebeu que faltava o Beija-Flor. Então, correu para dentro do fogo à procura dele, pronto a encontrá-lo caído, já quase morto, e transportá-lo para fora das chamas ainda a tempo de o salvar.
Qual não foi o seu espanto quando o viu, plenamente activo, com as asas a baterem incessantemente a caminho do rio, onde recolhia pequenas gotas de água que, depois, ia deixar cair em cima das labaredas. O leão, espantado, com a sua voz de trovão, chamou-o e perguntou, irritado:
- Oh, Beija-Flor! O que estás a fazer? Anda mas é embora, achas mesmo que vais conseguir apagar o fogo com essas gotinhas?
Respondeu o Beija-Flor:
- Não, claro que não. Mas, pelo menos, estou a fazer a minha parte.

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Ainda sobre o post Chacina de Cães IV

A leitora Beluska pergunta "num pais onde se maltratam crianças e os "velhos"sao "esquecidos" nos hospitais... Porque carga de àgua e que se haviam de preocupar com os animais????".
Cuidar de animais é uma questão de saúde pública. Não estamos aqui apenas a falar de ser bonzinhos para os animais. É uma questão de impedir doenças e dejectos. E também de educar as populações futuras. Dizem os psicólogos e acredito ser verdade, que uma das melhores formas de incutir responsabilidade e civismo nos mais novos é oferecer-lhes um animal para que cuidem dele. Assim aprenderão a ter que seguir regras e a cuidar de algo, ganhando desde logo noção de uma série de coisas da vida.
Assim é também com a sociedade. Enquanto a sociedade não for capaz de cuidar dos animais abandonados (que, idealmente, seriam poucos), que requerem pouco mais que uma construção barata, comida e alguém que os vigie e cuide, dificilmente terá condições para ser sensibilizada para cuidar das crianças e dos idosos, que requerem muitos mais cuidados.
Mas aproveito para "imitar" o que já foi dito aqui e pergunto: porque é que tanta gente se indigna com as crianças abandonadas e com os idosos que vivem sozinhos, mas ninguém faz nada? É tão fácil fazer voluntariado e ajudar. Se quiserem, tenho uns contactos e uns lugares vagos em várias associações com que lido. Se não tiverem dinheiro para doar, ajudem com poucas horas semanais de voluntariado.
Era um bom início, não era?

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Ainda sobre o post Chacina de Cães III

Ainda quanto ao mesmo caso e ao mesmo post, é claro que um director de canil, quando recebe uma crítica de alguém por causa da morte assistida de um animal, poderia perguntar "então quer adoptar um?".
Mas, por exemplo, se ele me perguntasse isso, eu responderia claramente que não. Não porque não gosto de animais, mas porque já tenho quatro gatos e não tenho espaço nem condições para ter um cão. Mas não seria isso, com toda a certeza, que me iria fazer ficar "com o rabinho entre as pernas e ir embora". Não seria isso que me faria calar a minha indignação e continuar a lutar para que as coisas melhorem. Porque sei que, falando no assunto, haverá (como se está a constatar), quem o tente resolver de formas que eu não consigo. E acredito que o segredo é esse: cada um cumpre o seu papel. Eu tenho o papel de informar e de me indignar. Para que outros, com outras condições, possam agir.
Ninguém muda o mundo sozinho, mas ninguém pode desistir do seu papel, por mais humilde que seja. Porque pode ser o pequenino passo que leve a que alguém consiga muito mais.

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Ainda sobre o post Chacina de Cães II

O anterior post sobre este assunto (é só andar mais para baixo no blog) mereceu vários comentários dos visitantes deste espaço de conversa virtual. Tal facto deixou-me, obviamente, orgulhoso, até pela importância do tema. E aproveito agora para responder a alguns deles. O amigo Carlos Faustino diz que está farto de "ouvir as pessoas a queixarem-se deste tipo de situações. Não será melhor perder tempo a sensibilizar as pessoas a não abandonar os animais e denunciar estes casos às entidades responsáveis para tomar as medidas adequadas e sancionar aqueles que de facto são os criminosos??".
Tem toda a razão. E, por isso mesmo, é que se me sinto feliz por poder acrescentar as novidades existentes sobre o caso. Segundo informações de pessoas ligadas ao canil, desde que a notícia estourou na comunicação social, nunca houve tanta gente a deslocar-se até ao local para adoptar animais. Só ontem, uma pessoa do Algarve foi ao canil de Torres Vedras buscar sessenta! Ou seja, afinal de contas, vale a pena criticar, denunciar. É esse o importante papel, tão incompreendido, do jornalista. Não é um prazer mórbido de dar más notícias. É o dever de denunciar o que está mal para que, quem não sabe, seja avisado.
De resto, quanto à sensibilização das pessoas, concordo plenamente que seja o passo mais importante. Aliás, em qualquer caso, é sempre mais importante atacar o problema pela raíz e preveni-lo do que remediá-lo quando o mal acontece (isto levava-me a outra conversa que fica para outro post, noutro dia).
Mas a sensibilização, num País como Portugal, onde as pessoas não sabem ainda como lidar bem com a extraordinária novidade que é ter liberdade de acção (tão recente), torna-se difícil, uma vez que acabam sempre por sentir qualquer palavra exterior como uma ordem, como um momento em que alguém tenta intrometer-se no seu livre arbítrio. Ainda temos muito que aprender nesse campo. E, então, às vezes, é apenas em momentos de choque, como este, que se consegue chamar a atenção da massa crítica. E, agora sim, apelar a que não se abandone os animais. Apelar a que se castre os animais quando não há condições de ter mais nenhum. Apelar a que se trate bem deles.
Porque as pessoas já estão alertas para o problema. Porque já sabem da existência dele. Porque já se chocaram, já se indignaram. Afinal de contas, o problema é todo esse: é preciso conseguir que as pessoas se indignem para que algo possa ser feito depois.

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14/11/2003

Parábola da mulher de Loth

Cada vez que releio a obra de Agostinho da Silva, mais me espanto que seja tão esquecido nos dias que correm. Creio mesmo que o seu pensamento humanista e a tocar a verdadeira liberdade era demasiado avançado para a época em que viveu. Tanto, que ainda hoje o é. E compreendo que, para uma sociedade massificada e onde interessa que haja uma grande dose de alienação, onde interessa incutir modas e "trends", onde interessa entreter a massa crítica para que outras coisas vão acontecendo, compreendo que seja desaconselhável que se passem mensagens como a de Agostinho da Silva, onde se defende que cada um tem o direito de pensar e agir livremente.
E, por isso, não resisto a deixar aqui um excerto de um pequeno texto chamado "Parábola da Mulher de Loth". É o momento em que a mulher de Loth se recusa a fugir de Sodoma, depois de Deus ter avisado que iria destrui-la e alertado Loth para fugir, juntamente e apenas com a sua família, sem nunca olhar para trás, caso contrário morreria:

"Porque o Paraíso, Loth... Olha, eu sei que todo o mundo um dia se há-de transformar em liberdade e ser mais sereno, mais transparante e mais puro do que este céu de crepúsculo que nos envolve; cada um de nós, quando nasce, recebe uma parte da injustiça do mundo, e a alma dos que morrem depois de se terem despojado do que lhes coube de tirania, de egoísmo e de brutalidade, vai contribuir para formar esse céu, como cada gota contribui para a extensão e a profundidade dos mares; essa é a vida eterna, essa é a delícia dos que se elegeram; para os outros tudo será como se não tivessem vivido e uma vez mais passarão sobre a terra, numa experiência da sua vontade e da sua coragem. Eis o que será o teu destino. Porque o meu será o outro. Duvidada às vezes de ter feito tudo o que devia fazer pela liberdade; sei que muito me deixei arrastar pelo que nos prende ao tempo, que o meu Amor não foi sempre bem amplo, aberto a todos, que a minha alma não foi sempre bem forte, inflexível ao vento do desânimo; ainda bem que hoje posso adquirir a certeza de que não foi inútil a minha passagem pelo mundo; não estarei ao lado deles, não me queimará o mesmo fogo: mas o teu Senhor, como todos os tiranos, teme quem o olha de frente, não gosta de que contemplem a sua obra... É o bem que começa a triunfar; esse avança às claras, não se esconde, não se refugia no segredo e na ignorância. Vou unir-me a todos os que já se bateram por ele; tantos, tão grandes e tão belos! Como poderia hesitar? Chegou o momento, Loth. Não, nem mais uma palavra. Continua. Eu volto."

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13/11/2003

Ainda o racismo e a imigração

Não sei se o jornalista que fez o documentário odeia racistas, mas parece ter escolhido a dedo os imigrantes e os "resistentes à imigração" que entrevistou. Enquanto os imigrantes são bem educados, como uma indiana lindíssima, que fala da forma como ensina os portugueses a dançar sons indianos e organiza viagens à Índia para portugueses, da forma como se integrou na sociedade e tem amigos em todo o lado, etc, o português, gordo e barbudo, com aspecto rude e voz arrastada, diz que a música brasileira é aquela com quem os portugueses mais se "identifiquem", mas ele gosta mais de outro tipo de coisas, entre outras calinadas engraçadas, que aposto que devem passar por beber uma mini e comer uma sandes de coirato enquanto chama nomes ao árbitro e bate na mulher.

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O Namoro

Fausto e Sérgio Godinho cantaram este poema de Viriato da Cruz, poeta moçambicano, com todo o talento que se lhes reconhece. Gostava de vos deixar este poema (na versão musicada, não na versão original), que tem uma doçura, uma inocência e um calor que só está ao alcance, digo eu, das pessoas que conseguem ver a luz da vida. A mim, dizem sempre que África é inesquecível. Quando for, finalmente, conhecê-la, quero ver se consigo escrever, durante a minha estada, um poema assim.

Mandei-lhe uma carta em papel perfumado
e com letra bonita eu disse "ela tinha
um sorriso luminoso, tão triste e gaiato,
como o sol de Novembro brincando de artista
nas acácias floridas, na fímbria do mar".
Sua pele macia era sumauma,
sua pele macia, cheirando a rosas,
seus seios laranja, laranja do Loge,
eu mandei-lhe essa carta
e ela disse que não.
Mandei-lhe um cartão
que o amigo Maninho tipografou
"por ti sofre o meu coração"
num canto "sim", noutro canto "não"
e ela o canto do "não" dobrou
Mandei-lhe um recado pela Zefa do sete,
pedindo e rogando de joelhos no chão,
pela Senhora do Cabo, pela Sta Efigénia,
me desse a ventura do seu namoro
e ela disse que não.
Mandei à Vó Xica, quimbanda de fama,
a areia da marca que o seu pé deixou
para que fizesse um feitiço bem forte e seguro
e dele nascesse um amor como o meu
e o feitiço falhou.
Andei barbado, sujo e descalço
como um monangamba procuraram por mim
não viu, ai não viu, não viu Benjamim
e perdido me deram no morro da Samba
Para me distrair levaram-me ao baile
do Sr. Januário, mas ela lá estava
num canto a rir, contando o meu caso
às moças mais lindas do bairro operário.
Tocaram a rumba e dancei com ela
e num passo maluco voamos na sala
qual uma estrela riscando o céu
e a malta gritou "Aí Benjamim"
Olhei-a nos olhos, sorriu para mim
pedi-lhe um beijo, la la la la la.
e ela disse que sim

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Racismo e Imigração

Vejo um interessante documentário no Odisseia sobre o racismo dos portugueses em relação aos imigrantes. Apesar de não ser um caso ainda grave, mesmo com ministros de extrema-direita como o vergonhoso Paulo Portas, espanta-me que haja portugueses que olhem de lado aqueles que vêm de longe em busca de novas oportunidades, num acto de coragem que devia ser mais reconhecido. Muitas vezes, o argumento usado é o de que os estrangeiros roubam os postos de trabalho aos nossos trabalhadores. No entanto, a verdade é que, exceptuando os casos óbvios de doença ou de graves carências e problemas familiares (o que, obviamente, não pode ser imputado aos estrangeiros), muitas das vezes, a população desempregada portuguesa tem esse estatuto porque não aceita trabalhos ditos menos nobres, como a construção civil, as limpezas, etc. Ou então, por causa da débil situação financeira de algumas empresas, resultado do desastre económico nacional e, também, da incapacidade de alguns gestores (o que, também, obviamente, não pode ser imputado aos estrangeiros).
Além disso, toda a gente sabe que um país é tanto mais rico quanto maior e mais diversificada for a sua cultura. A vinda de imigrantes com visões e ideias diferentes, a serem bem recebidas e acolhidas de forma inteligente, pode revelar-se o salto qualitativo em termos culturais de que Portugal bem necessita, numa altura em que estamos completamente submersos na fofoquice e no voyerismo, na música pimba e nas anedotas ordinárias, nos escândalos e na corrupção.
E é preciso lembrar que muito do desenvolvimento económico do País deveu-se, nas décadas passadas, às divisas enviadas pelos emigrantes portugueses no estrangeiro. É preciso falta de carácter para recusarmos aos outros aquilo que, para nós, foi uma solução.
É claro que há imigrantes que não se integram, que acabam por se tornar marginais. Mas isso também acontece com portugueses. Há pessoas boas e más em todos os lados, em todas as classes. É claro que, muitas vezes, os imigrantes reunem-se em grupos e sentem alguma dificuldade em dar-se com os portugueses. Pudera, se estão num país completamente diferente, onde não conhecem nada. O que é necessário é criar condições para que se consigam sentir bem e à vontade, de forma a não haver separações.
Enfim, o que eu acredito é que cada pessoa deve ter a oportunidade de mostrar o que vale. Seja no seu País ou em outro qualquer.

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11/11/2003

Para rir

Lembrei-me agora, de repente, que tinha prometido deixar aqui alguns excertos do texto do espectáculo ao vivo de Jerry Seinfeld, "I'm Telling you For The Last Time". Infelizmente, os afazeres têm-me afastado um pouco do contacto diário dos blogues. Mas, para remediar o problema e cumprir a promessa, vou tratar disso brevemente.
Entretanto, deliciem-se com um dos melhores sketches dos Monty Phyton, o "The Dead Parrot Sketch", que pode ser encontrado, numa tradução brasileira (?), mas, pelo menos, compreensível para todos, no blog Escrita.

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O Pipi e o bom gosto

Tenho lido na Bomba Inteligente a forma como é defendido o projecto e a qualidade literária de O meu pipi (blogue e livro). Tenho pena apenas que, neste caso, não consiga perceber se é ali defendida realmente apenas a qualidade ou também o lado comercial da obra.
Mas adiante. Quanto ao livro, não o li, não posso comentar, embora saiba que não se afasta quase nada do género do que é escrito no blogue. Quanto ao espaço virtual, acho-lhe realmente piada. Os textos, apesar da temática e da óbvia perversidade, são escritos de uma forma deliciosa, com um sentido de humor e originalidade de arrasar e com requintes fantásticos. No entanto, espero que o misterioso autor não se deixe deslumbrar. É que é fácil descambar de uma situação em que está em cima da lâmina da navalha para o demasiado mau gosto. E, apesar de saber que, quer o autor, quer a sua defensiva editora, estão-se a borrifar para a minha opinião, parece-me que este último post já ultrapassa os limites.
Reparem neste excerto: "Gente enlutada é gente carente de consolo. Há sempre a hipótese de sacar uma viúva ou uma órfã. Tenho arrefinfado boas berlaitadas de pêsames em pito viúvo que, pese embora a sua viuvez, sabe proporcionar festa rija, mesmo que se apresente no leito com um fumo preto numa das bordas. Além disso, lágrimas de pesar dão sempre bom lubrificante."
Não sou conservador e sei rir de uma boa piada, mesmo que ordinária. Mas... não vos parece que isto já ultrapassa um pouco os limites do bom gosto?

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Matrix (post muito longo)

Acabei de ver o terceiro e último filme da saga Matrix. E gostava de partilhar alguns pensamentos desordenados que, depois, cada um ordenará como quiser, na certeza de que são apenas uma pequena parte do muito que se pode dizer sobre a saga:

1 - A excelência do primeiro filme merecia que não tivesse havido nenhuma sequela. Era bom o suficiente.

2 - O segundo filme, por ser de transição, é claramente o pior. Além disso, pareceu-me abusivo fazerem mais dois filmes para contarem apenas mais uma estória. Condensando o enredo e cortando algumas personagens e situações (como aquele pavoroso e enorme discurso de Trinity, antes de morrer nos braços de Neo, numa cena completamente dejá vú),, os irmãos Wachowski poderiam ter feito apenas um segundo filme, muito bom, quase ao nível do primeiro. Mas, enfim, o marketing a isso obriga...

3 - Se o primeiro Matrix me surpreendeu com a inovação a nível dos efeitos especiais, dos combates e da filosofia por trás do enredo (uma mistura de estudo filosófico sobre o que é real ou virtual e um tratado de Cristianismo, onde a personagem Neo é claramente o Messias), o último filme surpreendeu-me pela clareza com que foi reafirmada essa ligação religiosa da saga e revelada uma intenção quase evangelizadora por parte dos realizadores da película.

4 - Se alguém tinha dúvidas de que Neo é uma representação futurística de Jesus Cristo, certamente que as perdeu ao ver a cena final do terceiro filme, em que este morre de braços abertos, como se estivesse pregado numa cruz imaginária, após dar a vida pela humanidade que, exceptuando um pequeno grupo de rebeldes (os apóstolos?), o quiseram ver morto (pois toda a população se transformou no Agente Smith). Nessa mesma cena, a coroa de espinhos foi substituída por uma venda nos olhos de Neo.

5 - De resto, achei alguns momentos deste terceiro filme brilhantes: a cena de combate final (pelos efeitos especiais), o assumir por parte dos personagens de que a grande recompensa e o grande sentido da vida é a liberdade de escolher e assumir as escolhas e suas consequências, boas ou más (o verdadeiro livre arbítrio) e não o amor ou qualquer outra recompensa. A vida vive-se para que se possa escolher, independentemente do resultado. Brilhante também o facto de Neo ter perdido a visão e só então ser capaz de ver realmente as coisas, provavelmente lembrando São Tomé e o facto de ser "coitado aquele que não crê no que não vê".

6 - Encontrei ainda ligações interessantes entre os nomes das personagens (e das naves) e os seus papéis na trama, das quais destaco algumas:
a) Perséfone - na mitologia grega, é a filha raptada de Deméter, que foi desposada por Hades, deus dos infernos. No filme, para entrar no clube do Inferno, que pertence ao francês Merovingian, onde Perséfone (Monica Bellucci) está, os heróis têm que passar por três seguranças iguais, o que pode representar o cão Cérbero, que tinha três cabeças e guardava a entrada do inferno na mesma mitologia
b) Merovingian - a Igreja Gnóstica Meronvigian é parte de uma facção da Maçonaria, que descende de José de Arimateia e que tem a ver com a busca do Santo Grall. A filosofia dessa igreja defende que, nos primórdios da Criação, quando Deus se cansou do seu estado de ser único e omnipotente, dividiu-se em dois e criou uma deusa. Ele manteve o domínio da ordem e ela passou a ser a deusa do caos, ou seja, lógica e emoção. Se repararmos, tem a ver com o diálogo mantido entre o Arquitecto e a Oráculo no final do filme e com o facto de a Oráculo assumir, durante o filme, que quer apenas baralhar as coisas.
c) Seraph - de Serafins, uma das classes angélicas, nomeadamente os anjos que protegem o céu.
d) Trinity - obviamente, a trindade.
e) O Arquitecto - na teoria maçónica, os obreiros da ordem (pedreiros-livres) dão ao divino o nome de Grande Arquitecto do Universo.

7 - Fantástica a postura da personagem Oráculo, demonstrando uma forma sem falhas de lidar com a capacidade de olhar para o futuro. O futuro é uma tendência que se pode, ou não, transformar em presente, mas apenas mediante as escolhas que se fazem. Não existe o saber que vai ser assim. Existe apenas o acreditar. Fantástica lição para todos os pseudo-astrólogos e pseudo-esotéricos que lavram por esse País fora, querendo fazer acreditar em mézinhas e curas milagrosas.

8 - Absolutamente extraordinária, a resposta do Arquitecto, criador do Matrix e das máquinas, quando Oráculo lhe perguntou se manteria a sua promessa. "Por acaso somos humanos?" Realmente, só os humanos são capazes de quebrar promessas. Para as máquinas, não existem promessas, existem coisas a cumprir.

9 - Gosto da insegurança, da incerteza que invade sempre o personagem principal, Neo, durante todos os filmes. Não é um herói típico, apesar dos seus incríveis poderes. É um herói com um fundo muito humano. Lembra-me um excerto do discurso de S. Paulo aos Coríntios, em que diz "Eu mesmo, quando fui ter convosco, não me apresentei com o prestígio da linguagem ou da sabedoria (...) Estive no meio de vós cheio de fraqueza, de receio e de temor".

Enfim, havia muito mais para dizer, mas tenho sono. Até amanhã.

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05/11/2003

Chacina de cães

Acabei de chegar do Canil de Torres Vedras, onde é preparada uma chacina. A Câmara Municipal do concelho de Torres optou por mandar exterminar cerca de duzentos cães por excesso de lotação do canil. Ao que parece, sem conhecimento público, tal matança já vem sendo hábito naquelas instalações há alguns anos.
É uma situação muito triste e revoltante, mas não quero estender-me muito sobre o assunto porque daqui a umas horas irão ver notícias sobre o tema na SIC e na TVI, presentes no local.
Mas, mais revoltante ainda, para mim, é saber que quase todos os leitores deste post vão ficar indignados. Mas será muito menor o número dos que, realmente, irão fazer algo para mudar o que está mal, que passa pela sensibilização, por tratar bem os animais, por perceber o valor do planeta em que vivemos.
E o problema não se sente só neste caso. Sente-se em quase todas as áreas. Já falei um pouco disso no post anterior. Todos nos indignamos com muita coisa. Mas somos poucos os que levamos essa indignação adiante. É caso para dizer que é verdade que todos temos o direito à indignação. Mas deviamos ter também o dever de lutar para que as coisas melhorassem.

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Protestos académicos

Mais protestos académicos devido às propinas. Sempre considerei (e a história mostra-nos isso mesmo) que a juventude tem e deve demonstrar a sua força. Que não se deve calar. Que deve lutar de todas as formas possíveis para que se possa melhorar a sociedade. Que deve dar o impulso para a mudança, que deve ser o rosto da insatisfação.
Mas tenho pena. Hoje, raramente vejo a juventude manifestar-se sobre algo que não lhe diga directamente respeito. Raramente vejo-a preocupar-se com algo que não tenha interferência directa nos seus bolsos ou direitos.
Assim é fácil, protestar contra algo que nos afecta. Mais difícil, mas também mais valoroso, é protestar contra algo que está mal, pelo simples facto de estar mal, mas que não nos afecte directamente.

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04/11/2003

Minutos pelo rosto

“(…) e quando descem as trevas sobre a nossa miséria, se não dispusermos de pena, nem de graveto, nem de tinta, nem de água, ainda assim escreveremos a História, riscando com o indicador o ar que respiramos (…)”

Mário Cláudio


E passeiam-se assim os minutos pelo rosto, incansáveis e inesgotáveis, como lavradores intrépidos abrindo sulcos ao único abrigo do sol e do horizonte. Passeiam-se assim, invisíveis e inaudíveis, como os finíssimos raios de luz que antecedem a visão, irrompem na alma como as valas que são criadas para que passem os rios, talvez rios de lágrimas, ou de um outro líquido ainda por inventar e que represente a alegria e a temperança. Formam obras gigantescas nos livros das horas e dos dias, que para serem lidas de fio a pavio necessitam de olhos pacientes e doces, capazes de perceber promessas e metáforas, entrelinhas e abismos.
Apenas a fome não me abandona agora, como irmã de todo este cansaço que corrói o rosto e as olheiras fundas. Apenas a fome me acompanha, a fome de sabores doces e palavras, de verdades e olhares cúmplices, ou então de novas paisagens e ruídos, que mostrem outros mundos e novos temas. Encha-se então de palavras assombrosas a alvura da página, de predicados indefinidos e imagens de difícil alcance, pois já não há lugar a frases simples ou apenas harmoniosas, que é sempre nas entrelinhas que mora a verdadeira verdade, nelas fez o seu lar e dele apenas se separa quando a voz doce de algum desejo incensato a chama, suplicando por que se abra um caminho ou por que nasça um abraço.
E é então que, como um louco pela rua agradecendo tudo a todos, vejo os olhares surpreendidos de quem não compreende a razão de tal gratidão, e, sorrindo intimamente, torno a bailar a caneta na superfície lisa, ou o graveto na areia molhada, sem lembrança de que as ondas virão mais tarde, quando as marcas dos pés já marcarem o sentido inverso, alterar toda a configuração dos areais e apagar as inscrições arrumadas entre os grãos de areia outrora unidos. Mas não importa, existem também as doçuras que estão escondidas ou que já foram e permanecem agora apenas nas memórias. Ou nos sonhos não concretizados. Porque existem odisseias onde os marinheiros, apesar de embarcados, nunca chegam a ver o mar, perdem-se na visão do ferro e da ferrugem, da casa de máquinas e do porão, e em fugazes olhares de espanto rumo ao aberto céu. E acreditam ser esse o fim da viagem, que nada há para além dos limites da embarcação; por isso espantam-se quando rugem as águas, ou invade o ar o negrume das tempestades, ou se embalam com o cântico das sereias, misturado com o ruído do marejar. E é sempre o mar que canta esse vai-vém das ondas, que enfeitiça os corações. Os mais atentos, ainda que escondidos, às vezes juram ouvi-lo chorar. E diz o mar: “Tenho os nervos tão à flor da alma, que derramo lágrimas por cada rosto que recordo, por cada amor que surgiu, mas não vingou, como as sementes de uma árvore que morreu sem ver o sol”. E as lágrimas do mar são de espuma contra as rochas, ou ainda de espuma em saltos aventureiros pelo ar, e humildemente deixa-se ser espelho do céu e das nuvens, enquanto, ao longe, ouve as histórias contadas já em terra, de grandes travessias e monstros horrendos, de grandes coragens e provações, palavras falsas e inexistentes, de feitos vazios e sem rumo, bordadas no silêncio da noite vazia e do medo.

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30/10/2003

Ainda a Vídeo-Instalação

A propósito do texto deste blog "Vídeo-Instalação", o leitor (a) Mariposa deixou este comentário:

"Não olhe para a "arte contemporanea" com tanto escárnio!
-Quer dizer que á 150 anos é que ainda se fazia arte?Ou à 250?300? Imagine-se agora a ver artistas a reporuzirem Giocondas ou Vénus de Milo a serem esculpidas...qual o interesse? Só integradas num determinado contexto pensaria mais tarde ou mais cedo!
O que me parece é que olha com um certo vazio para a rte contemporanea, aquela que transforma em obra de arte uma cenoura dentro de um sapato, Aproxime-se deste mundo e vai descobrir muitos aspectos interessantes...e não se esqueça que também vive na era do "vazio" que se reflecte na criação! Ha!"

Eu não olho com escárnio para a arte contemporânea. Pelo contrário. Aliás, o que eu escrevi nesse post foi que, apesar de EU não me identificar com o seu estilo e de sentir que não a percebo convenientemente, mesmo assim divulgo as suas actividades por pensar que é uma forma tão válida como outra qualquer. No entanto, também sei, e acho que vai concordar comigo, que esta nova forma de massificação da arte, onde qualquer um, qualquer coisa, qualquer momento, é uma obra de arte (e estou a falar, por exemplo, de instalações, onde até uma cenoura dentro de um sapato, como diz, é arte, ou um filme onde se mostra simplesmente o movimento de uma rua durante cinco minutos - será que as filmagens das câmaras dos supermercados são afinal grandes obras de cinema??), leva a que haja muita coisa feita sem valor, sem nexo, apenas pela necessidade de irreverência ou diferença, e que existam muitos oportunistas no meio de bons e inovadores artistas. Bom, mas a luta pela irreverência isso também pode ser arte. É necessário primeiro definir o que é, com critérios demasiado limitados para o mundo de hoje. Enfim, é um assunto complexo para a qual convido quem quiser a participar.

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28/10/2003

Enlaçar das mãos

Algumas das vezes em que aparecias sem avisar na minha casa, depois de pousares a mala no sofá e de acariciar o pelo macio dos gatos, depois de espalhares o teu cheiro a flores silvestres pela sala, olhavas-me nos olhos e dizias que querias ficar sozinha comigo no meio de uma multidão. Das primeiras vezes não percebia o que querias dizer, porque era uma frase confusa e porque ainda estava atordoado pela tua aparição súbita, que me enchia sempre de uma alegria contagiante de criança e me deixava capaz de fazer as coisas mais loucas, de dar cambalhotas ou de fazer o pino, de sair para a rua e gritar o que sentia, sei lá, ficava assim, vê bem como ficava, completamente eufórico e inconsequente. Mas, mesmo sem perceber o que querias dizer, confiava em ti cegamente. Não podia fazer outra coisa, se ficava assim, assim de uma forma que não te consigo descrever bem, atordoado, acho que é a palavra mais parecida com aquilo que te quero dizer, sem forças para te dizer que não. Era por isso que te seguia para onde me levavas. E então, porque te seguia cegamente, fosses tu para qualquer lado, íamos sempre para onde houvesse muita gente, para onde houvesse muita confusão e gritaria, para o meio de um estádio de futebol num dia de jogo importante, para a estreia de um filme de grande sucesso, ou para a pista principal de uma discoteca ao fim-de-semana. E tinhas razão. Tudo o que nos rodeava desaparecia quando ficávamos os dois sozinhos, no meio daquelas coisas todas, como se ambos conseguíssemos existir no vazio e os outros estivessem ali apenas para assistir ao enlaçar das nossas mãos.

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Durão na Catedral da Luz

A vaia de assobios que Durão Barroso levou na inauguração do novo estádio do Benfica foi bem demonstrativa do descontentamento que assola o País em relação a este Governo. E, curiosamente, a reacção que o primeiro-ministro teve à monumental vaia também ilustra muitas coisas:
1 - O sorriso cínico com que olhava em volta fala por si próprio quanto à sua atitude geral.
2 - O tropeção que o ia fazendo cair é uma metáfora deste Governo, sempre a balançar com sucessivos problemas, erros e vergonhas, mas sem que, no entanto, caia de vez.
3 - As palavras rápidas e envergonhadas demonstram a falta de conteúdo e de ideias do seu discurso.

Mas, e porque estamos neste País onde o nacional porreirismo continua a vencer e onde as pessoas nunca tomam atitudes, afinal de contas, o que interessa isto tudo, se o Benfica tem um novo estádio e os adeptos até comem a sua relva?

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Pergunta pertinente

Está aí o Orçamento de Estado para 2004. Mais um ano de contenção, embora com um cenário ligeiramente mais animador, em preparação, dizem os entendidos, para a retoma no ano seguinte (coincidentemente em altura de eleições). No entanto, há uma coisa que salta à vista. Numa altura de contenção, o Ministério da Defesa continua a ver aumentadas as verbas que lhe são atribuídas. Será que Durão Barroso tem assim tanto medo dos marroquinos e dos espanhóis, ou é apenas o ministro Paulo Portas, líder do partido mais fraco da oposição, mas indispensável para a manutenção do Governo, a exigir verbas para si, esquecendo o resto do País e as suas necessidades, e apenas pensando no seu umbigo?

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24/10/2003

Serenidade

Uma das coisas que mais admirava em ti era a tua serenidade. Não sei como conseguias nunca te irritar perante nada, nem mesmo quando os problemas apareciam em catadupa e pareciam querer engolir tudo. Reagias às contrariedades de uma forma bem diferente da minha, sempre com leveza e suavidade, como se o mundo fosse uma coisa lógica e capaz de se remendar a si próprio com toda a facilidade. Lembro-me bem: olhavas calmamente para mim enquanto eu desfiava os problemas, assustado, sentindo-me perdido no meio do negrume. Depois, quando me calava, acendias um cigarro. Olhavas para a chama do isqueiro, como se fosse uma luz que iluminasse a escuridão, e depois para o fumo que invadia o ar. Olhavas outra vez para mim. Não era o isqueiro a verdadeira chama, afinal. Dizias: tem calma. E eu tinha. Tinha toda a calma do mundo. E os problemas desapareciam no ar, como o fumo do teu cigarro.

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23/10/2003

Stand up comedy

Intriga-me o facto do Fernando Rocha ter tanto sucesso. Não percebo. Ele não inventa nada, além daquelas caras de parvo que faz. Limita-se a contar anedotas que já todos ouvimos e contámos, com a diferença que não o fazemos na televisão. Além disso, escolhe as mais ordinárias possíveis, tornando-se numa espécie de "Maluco do Riso XXX". E chamam aos seus números "stand up comedy"? Basta olhar para o Jerry Seinfeld para perceber a diferença. Num espectáculo de hora e meia (I´m telling you for the last time), o brilhante cómico norte-americano não precisa de dizer um único palavrão para manter o público em delírio. E não é por não focar assuntos relacionados com sexo. É por uma questão de classe.
Mas, enfim, o sucesso de Fernando Rocha mostra bem que o nosso País ainda sofre de graves complexos em relação à sexualidade e à liberdade, o que torna qualquer palavrão ou referência ordinária numa piada, principalmente pela aparente coragem que é necessária ao comediante para a dizer de outra forma que não em surdina.
Mas, felizmente, Fernando Rocha não é único comediante de Portugal. Mesmo aqui, no universo dos blogues, é possível encontrar excelentes autores de textos inéditos e realmente engraçados, com uma dose adequada de ironia e perspicácia.
Por isso, nos próximos dias, irei postar aqui alguns excertos do espectáculo ao vivo de Jerry Seinfeld, em tradução minha e livre para português, para que se possa perceber a diferença entre fazer "stand up comedy" e contar anedotas ordinárias na televisão.

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Telemóveis

Ia a passar numa rua quando vi três raparigas, lado a lado no passeio, com alturas diferentes e a fazer escadinha como os Irmãos Dalton. Não falavam umas com as outras. Em vez disso, cada uma falava ao seu telemóvel, enquanto andavam num passo sincronizado que faria invejar qualquer par de dançarinos. De início, achei alguma graça e deu-me vontade de rir. Até que me lembrei que eu próprio, muitas vezes, também abuso na utilização do telemóvel e passo pelas ruas completamente absorto a falar para aquele aparelho.
Realmente, às vezes, é preciso olhar para os outros para nos reconhecermos.

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22/10/2003

Anjos

Há muitas coisas que nunca te contei, mas que gostava agora que soubesses. Um dia disseram-me que os anjos não comunicam da mesma maneira que os humanos, por palavras, mas sim por vibrações. E nessas vibrações eles não entendem a palavra não. Por isso, para nos entenderem, temos sempre que ser afirmativos e positivos. Achei tanta piada a isto que, a partir desse dia, quando te levantavas devagar da cama e te preparavas para ir embora, já não te pedia para não ires, como fazia tantas vezes. Em vez disso, dizia-te apenas: fica. Ainda não sei se eras mesmo um anjo ou não. Talvez fosses, acho que nunca saberei. Mas a verdade é que ficavas sempre mais um pouco, quando eu te dizia simplesmente para ficares.

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Dizia-te

Dizia-te coisas muito parvas e sem qualquer sentido, melosas, demasiado melosas eu sei, capazes de fazer torcer o nariz às pessoas menos habituadas a lidar com palavras doces, tão habituadas à rudeza das coisas, à rugosidade do dia-a-dia e à velocidade dos sentimentos. Dizia-te por exemplo: quando te vejo, sinto flores a crescerem nas minhas mãos. Ou então: não sei como é que o sol consegue nascer sem te ver primeiro. Ou ainda: quando vejo o teu sorriso, sinto que ganho asas e que sou capaz de voar. Mas não me importava nada de parecer tonto ou ingénuo, não me importava de te repetir lugares comuns ou palavras de um romantismo exagerado; o que me interessava era que o resultado das minhas palavras era sempre o mesmo, fossem as minhas palavras quais fossem, e esse resultado era o teu sorriso, depois o sabor doce dos teus lábios e as cócegas que o teu cabelo comprido fazia no meu peito nu.

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Dismissed

Hoje deparei-me com um estranho programa que passa na nova MTV Portugal (que de português só tem a voz da locutora de continuidade e alguns músicas cantadas por portugueses como David Fonseca, mas em inglês, e os resistentes Tribalistas, que são portugueses do outro lado do atlântico).
Numa produção tipicamente americana, o dito programa, chamado "Dismissed", consiste em colocar dois homens ou duas mulheres numa sedutora disputa por um elemento do sexo oposto. Ora, pelo que percebi, nenhum dos três se conhece à partida, o que não impede que, no final do programa, que é gravado durante um dia, o terceiro elemento tenha que eleger um dos dois concorrentes para ter um caso amoroso com ele. O perdedor é "dismissed" o que, ao que parece, constitui motivo de grande frustração e humilhação para o concorrente.
As cenas são inacreditáveis demais para terem piada. Dois homens a armarem-se em machos perante uma mulher que não conhecem, lutando um com o outro ou vendo quem consegue fingir melhor que é sensível, duas mulheres a admitirem que o homem que disputam não faz minimamente o seu estilo, mas, por não quererem perder o jogo, estão dispostas a tudo só para não serem chamadas de derrotadas, enfim, tudo se vê naquele programa, onde a imaginação, pobre e ordinária, dos concorrentes é o limite.
Já vai neste estado, a sociedade americana? Já andam assim tão desesperados para aparecer na televisão e ter os seus quinze minutos de fama?

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Simpatia

Num mail simpático, o colega do blog Prazer Inculto, o escritor Possidónio Cachapa, que já conhecia de conversas literárias partilhadas em feiras do livro, deseja boa sorte ao blog e dá bons conselhos. Um, o de permitir que os visitantes façam comentários aos posts (que já consegui implementar graças à  sua sugestão prática). O outro é que os mesmos posts não sejam demasiadamente longos.
Este segundo conselho também foi aceite, com a ressalva de que, de vez em quando, poderei ter a vontade de colocar aqui um ou outro conto. Mas, para prevenir algum leitor incauto, prometo avisar que se trata de um texto longo.

Obrigado pela atenção, colega bloguista.

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21/10/2003

Sistema de comentários

Finalmente, após alguma pesquisa, consegui colocar um sistema de comentários no blog.
Agora, façam o favor de comentar.

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20/10/2003

Revolta

Tinha mais umas coisas para escrever hoje. Mas estou demasiado revoltado com a notícia anterior.
Quando me acalmar um pouco, talvez.

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A culpa irá morrer solteira

Escandalosa, vergonhosa e triste, a desgraça que teve lugar em Ermesinde, onde um pai matou a filha de trinta meses, à custa de abusos sexuais.
E se o caso já é grave só por si, mais grave ainda se torna quando é sabido que a criança fora entregue aos cuidados do pai pela Segurança Social, quando este já era arguido num processo por violação de uma outra criança, desta vez com quinze anos.
Apesar do próprio caso já demonstrar a loucura que lavra na mente de algumas pessoas, o que torna todos os cenários possíveis, não quero acreditar que algum técnico da Segurança Social fechasse deliberadamente os olhos a uma situação destas. Acredito antes que se tenha tratado de um caso de incapacidade de análise motivada pelo excesso de processos e de trabalho.
E preparem-se porque, com os cortes orçamentais na área social, as coisas vão piorar ainda mais e casos como estes vão começar a aparecer com mais frequência. É que doentes mentais como este existem muitos e, em determinados locais, a marginalidade atinge proporções que não passa pela cabeça daqueles que vivem confortavelmente no seu apartamento no centro da cidade. E a verdade é que é impossível lidar com estes casos quando, em determinados concelhos existem duas pessoas nessas funções para uma população de cerca de trinta mil pessoas (e onde uma delas será despedida brevemente por culpa dos cortes orçamentais).
Numa área como esta, onde cada caso necessita de uma atenção imensa por parte dos técnicos sociais, é impossível exigir maior eficiência quando o Ministro despede pessoal qualificado e já integrado no esquema, como eu já referi aqui neste blog num dia anterior.
Não me importa que me digam que sou politicamente incorrecto: eu quero lá saber do alargamento da União Europeia ou dos três mil mancebos a marcharem todos bonitos à frente do Ministro. Quero lá saber dessas coisas todas enquanto o Governo do meu País não conseguir impedir que crianças de 30 meses morram de abusos sexuais nas mãos dos pais com antecedentes criminosos. Enquanto o Governo do meu País não olhar mais para as pessoas que o constituem e deixar de olhar para os números.

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18/10/2003

Cansado prossigo

quando todo o cansaço do mundo
cair sobre a minha cabeça
saiba eu mergulhar no mais fundo
abismo onde guardo a minha crença
pois que a dúvida é uma benção
que transporta o coração dos homens
aqueles que sentem ou aqueles que pensam
os mais velhos ou os mais jovens
que eu prossiga sempre erguido
mesmo nos momentos em que duvidar
mesmo quando os assustadores rugidos
façam todo o firmamento ribombar
o mago é o que caminha com dúvida
sem ter o passo seguro na certeza
que sente no rosto a lágrima húmida
mas em toda a parte encontra beleza
que não conhece a solidez do chão
em que descansa os pés cansados
mas ainda confia no seu coração
para chegar a todos os lados
quando o medo me invadir de noite
fecharei os olhos e avançarei
sem me importar que ele me açoite
porque estou vivo, isso eu sei

LCP

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O divino

Quanto mais olho em meu redor, quanto mais observo as relações entre as pessoas, quanto mais sinto coisas e vivo, mais me lembro da frase de Platão: "Há qualquer coisa de mais divino em quem ama do que em quem é amado."

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17/10/2003

Belas & Perigosas

Não dispenso passar os olhos pelo “24 Horas” porque é um jornal que assume sem complexos a sua vertente de tablóide e inventa sempre títulos do arco da velha para as notícias, como o que vinha na edição de hoje, e cito “Aquele marmelo anda armado em Tarzã” (página 41 para o caso de não acreditarem).
Mas aquilo que mais gosto no jornal é a rubrica “Belas & Perigosas”, o suplemento das primeiras páginas, sempre a cores, onde quatro colunáveis da nossa sociedade, a Alexandra Fernandes, a Cláudia Mergulhão, a Helga Barroso e a Bárbara Norton de Matos, mostram-nos as fotos das festas e das exposições a que vão (acompanhadas sempre das mesmas pessoas), bem como nos revelam alguns dos truques de beleza das estrelas e o que transportam nas suas malas (algo que sempre me deixou curioso e que, agora, felizmente, o “24 Horas” me vai desvendando).
Só não percebo a razão por trás do título da rubrica. Belas são, sem dúvida. Aliás, acho que nenhum crítico, mesmo aqueles que nunca assistiram a nenhum reality show ou que consideram Helena, Euridice e Dulcineia as mais belas mulheres da história da humanidade, podem negar essa evidência.
Agora… perigosas? Perigosas porquê? Serão vampiras dissimuladas prontas a sugar o sangue a qualquer homem que as aborde? Andarão em busca de enganar alguém? Mentem-nos sobre o conteúdo das suas malas enquanto, na realidade, usam-nas para transportar granadas e uzis? Estão a aprender a pilotar aviões para atacar a Torre das Amoreiras? Qual é, afinal, a verdadeira história por trás da alcunha “perigosas”?
Aceitam-se sugestões por mail (enquanto eu não conseguir configurar o blog para receber comentários) para tentar perceber este mistério.

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Vídeo-instalação

A Escola Superior de Arte e Design das Caldas da Rainha continua a sua senda de preparar, formar e lançar profissionais (e calha bem falar do assunto, numa altura em que centenas de novos caloiros foram saudavelmente recebidos pelos veteranos). Porém, o que mais salta à vista nos alunos desta universidade é a coragem de assumir ideias e modos de comportamento diferentes, bem como a capacidade de combate para levar a cabo e concluir os seus projectos.
Precisamente, um dos mais valiosos projectos que nasceu de pessoas ligadas à ESAD foi o Art Atack, uma iniciativa da Associação local A062. Já com alguns anos de existência, esta iniciativa divulga uma série de artistas e trabalhos da chamada arte contemporânea, em áreas como o vídeo, a música e a performance.
Mesmo confessando ser um pouco leigo e, atrevo-me a dizer, desconfiado para com alguns trabalhos da arte contemporânea (onde tudo parece valer, sem qualquer critério), aplaudo as iniciativas e a força com que são levadas adiante. É que o mais importante é dar a hipótese a todos de se expressarem. Por isso, comprometo-me a ir divulgando tudo o que se for passando por aí que me pareça relevante.
E, para já, fica o conselho para visitarem, no Atelier-Museu António Duarte, nas Caldas da Rainha, até ao final do mês, as vídeo-instalações "Verdun 2003" e "Saurau", de Daniel Barroca.

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Descoberta da pólvora

Miklos Féher, atacante do Benfica, autor do único golo encarnado contra os belgas, disse ao jornal "O Jogo" que os adeptos têm que ter paciência com a equipa porque os jogadores não são nenhuns Eusébios.
Ainda bem que avisou, porque ninguém ainda tinha reparado...

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16/10/2003

Chuva

Chove.
Cada uma destas gotas de chuva. Cada uma delas.
O ideal era isto: transformar cada uma delas num sorriso teu.

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O Livro Branco dos Incêndios

Numa altura em que o Ministro Figueiredo Lopes apresenta o Livro Branco dos Incêndios Florestais Ocorridos no Verão de 2003, achei por bem relembrar um episódio a que assisti.
Em Fevereiro último, tive a honra de ser convidado para escrever o poema de homenagem com que a Associação Nacional de Bombeiros brindou a corporação dos Bombeiros de Nova Iorque, aquando da I Grande Gala Nacional Prestígio dos Bombeiros de Portugal.
Na altura em que a gala se realizou, contando com o apoio de uma série de entidades a nível nacional, desde a Presidência da República até à Câmara Municipal de Lisboa, obviamente que já eram conhecidas as limitações sentidas pelas diversas corporações no que diz respeito à capacidade de combater os incêndios que deflagram pelo País, principalmente na época do verão.
No entanto, mesmo apesar de, por entre muitos sorrisos e palmadas nas costas, de entrega de prémios e louvores, todos os presentes terem gabado o papel dos soldados da paz e ter sido feito um compromisso de lutar contra o problema, quando chegou o verão as coisas estavam na mesma. E foi o que se viu.
Não basta dizer que o calor atingiu níveis anormais ou que os focos de incêndio eram muitos. É que os avisos também foram muitos. Suficientes para que tivesse havido outro tipo de resposta, apesar das condições adversas.
É uma questão de planeamento e investimento. É uma questão de perceber que os inimigos actuais de Portugal já não se combatem com tanques e fragatas e canalizar de outra forma o investimento do Governo.

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A vida e a morte

Quando menos esperava, aconteceu o que eu mais temia. Um dos gatinhos não resistiu às primeiras horas de vida e morreu junto da mãe e dos irmãos. Como se não bastasse, as restantes crias, naquela confusão da luta pelo melhor lugar para mamar, acabaram por enrolar-se no cordão umbilical do falecido, que apodrecia enquanto as horas passavam. Quando cheguei do trabalho, dois já tinham patas partidas. O veterinário não teve outra hipótese senão poupar-lhes o sofrimento, enquanto garantia a segurança dos outros.
Dos cinco, sobram agora dois. Os mais fortes, claro, que, nestas coisas, a mãe natureza não brinca. Os dois maiores, mais desenvolvidos, mais corpulentos. Os dois que conseguiram manter-se em cima, naquela confusão de corpos e patas. Um deles, ainda fui eu que libertei, ao cortar o cordão umbilical com uma faca (não sei ainda onde fui arranjar a frieza e a precisão para o fazer naquele emaranhado de recém-nascidos).
E a gata? A gata continua igual a si mesma. Ronrona sempre que me vê, ciente de que quero tão bem àquelas crias como ela. Entretanto, cuida dos sobreviventes como se nada tivesse acontecido de mal e tivesse parido apenas duas crias. Não age assim por falta de amor aos que morreram. Fá-lo porque é sábia e ensina-me todos os dias mais uma coisa.
Nesta nova lição ensinou-me, com o amor com que trata os sobreviventes, a valorizar, cuidar e amar o que tenho, em vez de lamentar o que perdi.
Que prodígio da natureza, esta gata, que todos os dias parece saber mais e mais da vida.

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O que falta?

Foi à tangente, mas foi. Realmente, este Benfica não tem nada a ver com a imagem de grandeza que ainda transmite. E nem sequer percebo porquê. Tem bons jogadores, alguns de classe mundial. Tem um treinador competente, experiente, conhecedor profundo do futebol e disciplinador. Tem um público que vai aos estádios. Tem imagem e carisma. Tem condições de trabalho.
Afinal, o que falta à equipa para que uma formação de segunda linha da Bélgica não nos faça passar por tantos sobressaltos?
Alguém tem uma resposta para isto?

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15/10/2003

Em Portugal, o prolongamento é a melhor parte do jogo

Fartei-me de rir com a coincidência entre o slogan publicitário do Euro 2004 na Revista Times (lembrando-me de cor, é qualquer coisa como "Em Portugal, o prolongamento é a melhor parte do jogo") e o facto desta revista ter dado, com honras de primeira página, uma notí­cia sobre a prostituição no distrito de Bragança.
Obviamente que a organização do Euro resolveu imediatamente retirar a publicidade da revista, sob pena de existirem muitas piadas maldosas sobre o assunto.
Mas é bem feito. Para a próxima, em vez de concentrarem os estádios todos na faixa litoral, construam um também em Bragança. Assim, o anúncio faria um sentido completamente diferente. E ainda se podia acrescentar o outro slogan famoso do turismo português: "Vá para fora, cá dentro".

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Estranho controle da despesa pública

Hei-de voltar com mais calma e pormenor a este assunto, mas não queria deixar de falar nele agora para lançar a semente da indignação.
Como é que o Governo pode falar em controlar a despesa pública, se adopta medidas como a que foi tomada pelo Ministro da Solidariedade no que diz respeito à dispensa de funcionários afectos a instituições de solidariedade social, que trabalhavam sob a alçada da Segurança Social na Região Centro na área do Rendimento Mínimo (apesar de acabarem por agir noutras áreas também)? Funcionários esses que estão já rotinados a trabalhar directamente com as famílias em risco, que estão por dentro dos processos e fazem o acompanhamento dos mesmos na atribuição do RMG?
Como se trata de uma dispensa de pessoal, poder-se-ia pensar que o objectivo é poupar a verba dos salários. Isto, apesar de sabermos que, com menos pessoas a controlar os processos, muitos subsídios serão dados de forma menos criteriosa e justa, podendo até significar um aumento de despesa para o Estado. Mas, o que é verdadeiramente ridículo na questão é que, ainda por cima, na sequência da não renovação do vínculo, esses mesmos técnicos terão direito a uma indemnização e ao pagamento do subsídio de desemprego no valor idêntico ao que auferiam enquanto trabalhavam!
E, claro, uma vez que a situação dos vários concelhos, alguns com problemas sociais gravíssimos, dos quais destaco Peniche, cuja realidade conheço bem, é impossível de lidar com menos pessoal, que já era deficitário, o Estado vai ter que contratar outras pessoas para os lugares. Funcionários estes que não estão rotinados e que necessitam de um tempo de aprendizagem e adaptação às funções e à realidade de cada concelho.

Alguém me explica esta medida do Ministro?

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Benfica

E pronto, chegou o dia em que o Benfica vai ter que se defrontar com os seus fantasmas. Estou ansioso por saber de que forma é que os jogadores vão reagir à pressão de ter que vencer uma equipa muito mais fraca e que, ainda por cima, conseguiu colocar em sentido o poderoso Benfica na primeira mão.
E na memória estão os jogos com o Halmstad, com o Celta... enfim, episódios vergonhosos na vida do clube. Esperemos que Camacho consiga incutir sangue frio nos jogadores. É que, perante a diferença de qualidade de ambas as equipas, é apenas isso que é necessário. Sangue frio.
Também é disso que se fazem os vencedores.

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O universo dos blogues

Isto é mesmo giro. Ando todo entusiasmado com este meu cantinho recém-criado. Apesar de ainda ter menos de dois dias de vida, já atingiu o "curioso número" (citando o presidente da AR) de 69 visitantes, sem ter feito publicidade ao mesmo. É claro que o número ainda é pequeno, mas eu gosto que as coisas avancem com calma.

Mas estou muito contente. Principalmente porque percebo que isto dos blogues é mesmo interactivo e não pára. Não é que já existem três outros blogues que têm links para o Depois da Noite? São eles o Elogio da Ginja (mas esse é suspeito porque é de um grande amigo meu, o escritor Paulo Moreiras, que já conheço de "ginjeira"), o Extravaganza e o Blogame Mucho.

Obrigado pela atenção.

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14/10/2003

O Xaile Rubro (conto)

Ergueu devagar o fósforo ardente, de forma a que não se apagasse com um qualquer movimento brusco e a brisa que o persegue, e esperou que os pavios, um a um, se acendessem, ardessem, fizessem invadir o ar de um alaranjado luminoso e daquele som tão característico do crepitar. Ouvia-o com atenção para poder defender uma velha teoria que gritava sempre que a embriaguez ultrapassava a sua conta, que se o amor é um fogo secreto que arde, então deve-se também conseguir ouvir crepitar uma pessoa que esteja realmente enfeitiçada por tal sentimento. Era um jogo de palavras que fazia rir os demais presentes, já tão habituados a elas, mais interessados verdadeiramente no que se passaria a seguir do que naquele chavão tão gasto.
Depois, andando pelo meio das mesas, chegaram os guitarristas. Entraram sérios e mudos, como se fossem estátuas a quem os deuses ofereceram o dom da locomoção, e sentaram-se nas cadeiras de madeira escura, três delas, dispostas em semicírculo por baixo dos castiçais que agora ardiam, em frente a Jacinto que os observava invejoso de não possuir tal porte, nem tais guitarras, apenas um fósforo que já não servia para mais senão para ser deitado ao lixo.
Finalmente entrou ela. Reluzente, no seu brilho negro de contraluz, topázio de cores abissais e de silhueta de noite cantante à lua, parou na soleira da porta. Olhou em volta, passeando os seus olhos dourados pela sala, à procura dos de Matias, prateados, em busca da sua luminosidade de metal menos nobre mas embriagante. Encontrou apenas a palete colorida dos turistas, a curiosidade de quem viaja pelo mundo em busca de percebê-lo, o rubor na face de uma admiradora e os dedos chamuscados de Jacinto. A sua aura sombreou-se e foi só a dignidade do seu xaile rubro, encarnado como os lábios em forma de pecado, que a impediu de baixar cabeça e sair. Em vez disso avançou forte e segura, tentando esquecer-se daquela ausência.
Os guitarristas levantaram-se para a receber, diva do fado, cantadeira de Alfama e do Bairro Alto, e de todas as terras por este País fora onde ainda existe quem aprecia a nobre canção. Agradeceu. Virou-se para o público expectante e, quando iniciou o seu discurso de apresentação, percebeu que lhe iria custar fazer ouvir a sua voz, que estava oscilante e quebradiça. Mas não é mulher de receios, não iria permitir que se ruborizasse sem razão a face da mulher que bebia as suas palavras com tanta atenção, muito menos que ficassem defraudados os estrangeiros que tentavam coleccionar memórias de outras paragens. Ergueu a voz e sentiu os candelabros estremecerem, as chamas trémulas das velas a chorarem as palavras que entoava, desta vez ainda com mais sentimento, pois a ausência de Matias, aquela malfadada ausência tornava mais verídicas as suas palavras de sofrimento e de saudade, de destino cruel cantado.
Jacinto chorava. Pobre coitado, cauteleiro de dia, engraxador nos tempos áureos da nação, acendia velas de noite em jeito de um pagamento amigavelmente consentido por lhe deixarem assistir àquela cantoria divina, àqueles trinados da guitarra, ao dançar do xaile vermelho naqueles ombros meio descobertos. Aplaudiu com fúria no final da primeira música, de pé, ele que não se sentara um único segundo durante a canção, mas mais de pé agora, como se crescesse cinco centímetros, como se voasse.
No final da noite, quando já os turistas tinham gasto todo o seu rolo de fotografias e a sala estava quase deserta, Amélia sorria a contragosto para a sua admiradora, que a inundava de perguntas e elogios, enquanto ansiava pelo momento em que pudesse ficar sozinha e sentar-se em pranto, sem que ninguém a visse. Jacinto mordiscava um palito, preso no canto da boca. Pensava no que ouvira, não durante a noite, mas durante a gritaria de cauteleiro. Um amigo informara-lhe que Matias fugira com uma estrangeira, que viajara para o norte da Europa, envolto em luxos e uma promessa de sonos sempre doces e despreocupados. Olhava agora com admiração a silhueta de Amélia, tão bela, envolta naquele xaile vermelho e no vestido preto, com os cabelos longos, pintados a sépia, a caírem pelas costas, e os lábios, os lábios carnudos, suaves apenas para que possam acariciar o timbre com que canta. Que estrangeira poderia valer aquela magia, perguntou-se ele que todas as noites se embriaga na sua voz, na sua alegria voraz de viver, temporariamente enegrecida e na teoria inconcebível para uma mulher que canta o fado daquela maneira, com tantas mágoas e pesares.
Aproximou-se dela quando a viu já sozinha, a olhar o xaile vermelho, ofertado meses antes pelo tal homem de olhos prateados. Colocou-lhe a mão no ombro e sorriu. “Deixa-o ir embora à vontade. Homens há muitos”, sussurrou-lhe. Amélia ergueu-se, com o semblante carregado e caminhou para a porta. Inspirando o seu perfume, Jacinto tornou a falar. “Há homens que não te trocam por nada”, continuou.
Amélia colocou o xaile nos ombros, enchendo-se outra vez de charme e de uma dignidade que parecia impossível existir momentos antes, no meio das lágrimas que vertia. “Mas não são esses que tornam possível que se cante o fado”, concluiu.
Concordou Jacinto com esta verdade inapelável e, impassível, ainda embriagado pelo perfume do xaile rubro, apagou as velas e depois a luz.

LCP

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Já está...

Realmente, a natureza é uma coisa fantástica. Hoje, no dia em que pensava poder dormir um pouco mais, a gata resolveu acordar-me às oito da manhã com miados insistentes. Percebi pela agitação que não passava de hoje.
Ao contrário do que receava, não precisei de fazer nada, além de estar ao pé dela e apoiá-la durante as 4 horas em que deitou cá para fora cinco novas vidas, pequeninas, de olhos fechados, de pelo molhado, de miado insistente e carinhoso em busca do calor materno.
Foi incrí­vel a forma como ela soube fazer tudo, sem saber realmente nada.
A partir de agora, quando me perguntarem se tenho algum í­dolo, já sei o que responder: Pessoa, Agostinho da Silva, Kundera e a minha gata que, sem saber nada, sabe mais do que eles todos juntos.

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13/10/2003

Ana Gomes na TVI

Compreendo que Ana Gomes esteja indignada com todo o processo da Casa Pia. Compreendo que tenha urgência e necessidade de pressionar os meios de comunicação social, os magistrados e o Governo a investigar o artigo que saiu numa revista francesa onde se afirma haver dois ministros do actual governo envolvidos no caso de abusos de menores (um deles tem a alcunha de "Catherine Deneuve"???).
O que não compreendo é que não deixe o jornalista fazer perguntas, que esteja a gritar durante todo o tempo de antena que lhe foi oferecido no Jornal da TVI, que não ajude a esclarecer as coisas com o seu excesso de agressividade. Será que ninguém lhe explica que o excesso de barulho não ajuda a que se esclareça nada de um caso que, por si só, já é complicado em demasia?

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Poemas sobre gatos

Acerca de gatos


Em Abril chegam os gatos: à frente
o mais antigo, eu tinha
dez anos ou nem isso,
um pequeno tigre que nunca se habituou
às areias do caixote, mas foi quem
primeiro me tomou o coração de assalto.
Veio depois, já em Coimbra, uma gata
que não parava em casa: fornicava
e paria no pinhal, não lhe tive
afeição que durasse, nem ela a merecia,
de tão puta. Só muitos anos
depois entrou em casa, para ser
senhora dela, o pequeno persa
azul. A beleza vira-nos a alma
do avesso e vai-se embora.
Por isso, quem me lambe a ferida
aberta que me deixou a sua morte
é agora uma gatita rafeira e negra
com três ou quatro borradelas de cal
na barriga. É ao sol dos seus olhos
que talvez aqueça as mãos, e partilhe
a leitura do Público ao domingo

Eugénio de Andrade

***

Gato


Que fazes por aqui, ó gato?
Que ambiguidade vens explorar?
Senhore de ti, avanças, cauto,
meio agastado e sempre a disfarçar
o que afinal não tens e eu te empresto,
ó gato, pesadelo lento e lesto,
fofo no pêlo, frio no olhar!

De que obscura força és a morada?
Qual o crime de que foste testemunha?
Que deus te deu a repentina unha
que rubrica esta mão, aquela cara?
Gato, cúmplice de um medo
ainda sem palavras, sem enredos,
quem somos nós, teus donos ou teus servos?


Alexandre O´Neill

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A estranha calma

A minha gata está grávida e, ao que parece, com muitos filhotes dentro de si. É o que diz quem sabe, a ver pelo tamanho da barriga e pela forma esforçada como se move de um lado para o outro.
Mas o que mais me fascina é a calma que ela aparenta. A Sophia (de Mello Breyner) deixa-se estar dias e noites quieta, movendo-se apenas para comer e vir saudar-me quando chego a casa. O olhar dela transmite uma serenidade impressionante, o que espanta quem sabe que aquela gata ainda nem chegou a fazer um ano e pouco mais conhece do que o meu apartamento e o seu companheiro gato (Eugénio de Andrade).
É esse instinto que é fantástico, que faz com que ela fique calmamente e durante dias à espera do momento em que vai dar à luz e, ainda por cima, lhe ensina, sem palavras ou exemplos, tudo aquilo que vai ter que fazer na altura certa.
É por isso que olho para ela e vejo tanta sabedoria. E pergunto-me se será mesmo verdade que nós também temos essa capacidade e acabamos por ser cegos ao que está dentro de nós, preocupando-nos apenas com o que vemos com os olhos.

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Caminhando

a vida escorre pelo corpo
é límpida e inodora
falta-lhe especiaria e sal
duvido de todas as coisas
bato no vidro com pungência
quero saber se é real
estou vivo nado criado
esperam a minha deixa
de actor principal
murmuro já vou
caminho lívido como a cal


LCP

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Ao amanhecer

Após tantas horas de leitura dos bons blogues que se fazem neste cantinho, resolvi também ter o meu, na esperança de contribuir para este universo de ideias e partilhas, sempre em crescimento.

Amanhece este blogue, onde colocarei poesia, reflexões e provocações.

Vamos ver...

É o que se diz sempre quando se vai estrear algo, não é? Vamos ver...

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